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sexta-feira, 27 de abril de 2012

O ENCANTAMENTO DA DANÇA CIRCULAR NA RODA DO FOGO





            O encontro mágico, inesquecível e transformador  com a dança circular aconteceu na roda do fogo, na Aldeia da Paz de 2012. O que faz a Dança? Quando participei, pela primeira vez, percebi que eu nada sabia da dança que se dança em círculo, danças circulares sagradas, dança da paz, dança do encontro com o outro e consigo mesmo. Foi no espaço-tempo da Aldeia da Paz e em um momento de renovação que conheci as danças circulares. Foi neste espaço e tempo que senti ressoar em mim a música e o encantamento da roda, das mãos entrelaçadas, da dança. Ao entrar na roda, ao dar as mãos, ao girar ao som de  músicas desconhecidas e pertencentes a uma cultura distante, nasceu em mim uma força, uma beleza, uma alegria, uma serenidade, contentamento e paz. Apesar de não fazer parte de mim, do meu mundo, não senti, em relação as danças de roda, um estranhamento, antes o contrário, senti uma familiaridade, me senti em casa apesar de conectada a um passado distante, era um passado que, ao mesmo tempo, me habitava. “ Lembro: eu ria, ria-me.”


            Outras danças já fizeram e fazem parte da minha vida. Já balancei e brinquei na roda de capoeira, mas, as danças circulares são diferentes. O encontro com as danças circulares alimentou minha criatividade e meu desejo em fazer diferente, fez nascer o desejo de recriar o cotidiano, de resignificar minha existência. O meu interior era um deserto estéril, e, por estar desertificada me habitava o vazio. A minha formação aconteceu dentro de um inteletualismo academico, pouco sensível e criativo mas muito racional. Vivendo em um mundo excessivamente materialista e racionalista exclui, como se fosse contraditório e sem encaixe, o espiritual, o religioso. Mas, (parafraseando Luciana Ostetto) não quero a aridez do deserto - “O deserto cresce; ai de quem abriga desertos!”. Quero a terra molhada, sementes, fertilidade.” e, foi isso, o que a roda das danças circulares fez surgir em mim. Ela proporcionou o reencontro com o espaço sagrado dentro de mim e com o mundo espiritual fora de mim, coisas que neguei devido a adesão ao racionalismo, devido a aceitação da ordem que manda pensar, mas não sentir.



            Vivi uma experiência: dançar em círculo. É uma experiência profunda, inesquecível, única, intransferível e, por isso, difícil de explicar. E por sentir dificuldades de encontrar as palavras que explicitem “o que faz a dança”, recorro novamente  a Luciana Ostetto. Ela diz que na impossibilidade de dar expressão ao “o que faz a dança”, vem a certeza de que ela provoca o corpo, todos os sentidos: pela forma, pela música, pela tradição evocada, pela simbologia presente no gestual. E, conforme o grau de interação e entrega do dançarino, provoca mudança de comportamento, remexe camadas profundas do inconsciente. Nesse sentido, também caminha o pensamento de Mircea Eliade. Segundo ele, a iniciação, filosoficamente, equivale a uma “mutação ontológica da condição existencial”: da provação o iniciado emerge totalmente diferente – “tornou-se outro”. (Eliade, 1989, p.137).


            É isso, a dança circular me proporcionou uma iniciação rumo a entrada em outro mundo. Provocou uma mutação ontológica em minha condição existencial o que, heideggerianamente falando, significa provocou um alteração no ser do meu ser-no-mundo. O ser do humano  (no mundo) é o cuidado (sorgen), diz Heidegger. Cuidado é preocupação com os outros, com si mesmo, com o mundo, com a natureza. O sentido do ser (cuidado), continua Heidegger, é o tempo. O tempo é, portanto, o horizonte a partir do qual se decide o significado do cuidado. No meu tempo - tempo de uma época  que supervaloriza a razão, o cognição, a ciência. e desvaloriza a sensibilidade, a criatividade, a imaginação - o cuidado se ocupa das coisas, do material, do capital, da aparência. A preocupação é com os outros coisificados, com a natureza reificada, com as próprias coisas e com a coisa que eu mesmo sou. 



            Mas na roda, girando, cantando, para mim outro tempo começou.  Esse tempo, é o tempo da renovação. A dança circular  alterou o meu ser, o meu cuidado. Percebo que já não me preocupo com os outros em sua coisificação nem com a natureza como coisa, mas, voltei-me para mim, cuido  de mim mesma, mas, não como um ser coisificado, cuido de mim como humana e, ao cuidar de mim, cuido dos outros e da natureza porque sinto ambos ser uma extensão de mim. É pelo poder da dança que me desvencilhei do tempo da razão (instrumental) e vivencio o tempo da sensibilidade, tempo de ser humano, inteiro, completo. Como pode o dançar acordar outro tempo? Como pode a dança ressignifca meu ser?   O que sei é que depois do encantamento da dança na roda, do giro, não seria mais a mesma. O encanto batem em mim em lugares que nem sei – me comove, me alegra, contagia.  Dançando em círculo, na roda do fogo, fui tocada. E foi assim que me conectei com o centro, o sagrado que há em mim, foi assim que outro tempo começou. É uma transformação que não me permite deixar a roda parar.

Luciana Esmeralda Ostetto - (Tese de Doutorado)
Educadores na roda da dança: formação-transformação.
Martin Heidegger - Ser e Tempo