O encontro
mágico, inesquecível e transformador com
a dança circular aconteceu na roda do fogo, na Aldeia da Paz de 2012. O que faz
a Dança? Quando participei, pela primeira vez, percebi que eu nada sabia da dança
que se dança em círculo, danças circulares sagradas, dança da paz, dança do
encontro com o outro e consigo mesmo. Foi no espaço-tempo da Aldeia da Paz e em um
momento de renovação que conheci as danças circulares. Foi neste espaço e tempo
que senti ressoar em mim a música e o encantamento da roda, das mãos entrelaçadas,
da dança. Ao entrar na roda, ao dar as mãos, ao girar ao som de músicas desconhecidas e pertencentes a uma
cultura distante, nasceu em mim uma força, uma beleza, uma alegria, uma
serenidade, contentamento e paz. Apesar de não fazer parte de mim, do meu
mundo, não senti, em relação as danças de roda, um estranhamento, antes o contrário,
senti uma familiaridade, me senti em casa apesar de conectada a um passado
distante, era um passado que, ao mesmo tempo, me habitava. “ Lembro: eu ria,
ria-me.”
Outras danças já fizeram e fazem parte da
minha vida. Já balancei e brinquei na roda de capoeira, mas, as danças
circulares são diferentes. O encontro com as danças circulares
alimentou minha criatividade e meu desejo em fazer diferente, fez nascer o
desejo de recriar o cotidiano, de resignificar minha existência. O meu interior
era um deserto estéril, e, por estar desertificada me habitava o vazio. A minha
formação aconteceu dentro de um inteletualismo academico, pouco sensível e
criativo mas muito racional. Vivendo em um mundo excessivamente materialista e
racionalista exclui, como se fosse contraditório e sem encaixe, o espiritual, o
religioso. Mas, (parafraseando Luciana Ostetto) não quero a aridez do deserto - “O
deserto cresce; ai de quem abriga desertos!”. Quero a terra molhada, sementes,
fertilidade.” e, foi isso, o que a roda das danças circulares fez surgir em mim.
Ela proporcionou o reencontro com o espaço sagrado dentro de mim e com o mundo
espiritual fora de mim, coisas que neguei devido a adesão ao racionalismo,
devido a aceitação da ordem que manda pensar, mas não sentir.
Vivi uma experiência: dançar em círculo. É uma experiência
profunda, inesquecível, única, intransferível e, por isso, difícil de explicar.
E por sentir dificuldades de encontrar as palavras que explicitem “o que faz a
dança”, recorro novamente a Luciana Ostetto. Ela diz que na
impossibilidade de dar expressão ao “o que faz a dança”, vem a
certeza de que ela provoca o corpo, todos os sentidos: pela forma, pela música,
pela tradição evocada, pela simbologia presente no gestual. E, conforme o grau
de interação e entrega do dançarino, provoca mudança de comportamento, remexe
camadas profundas do inconsciente. Nesse sentido, também caminha o pensamento
de Mircea Eliade. Segundo ele, a iniciação, filosoficamente, equivale a uma “mutação
ontológica da condição existencial”: da provação o iniciado emerge totalmente
diferente – “tornou-se outro”. (Eliade, 1989, p.137).
É
isso, a dança circular me proporcionou uma iniciação rumo a entrada em outro
mundo. Provocou uma mutação ontológica em minha condição existencial o que,
heideggerianamente falando, significa provocou um alteração no ser do meu
ser-no-mundo. O ser do humano (no mundo)
é o cuidado (sorgen), diz Heidegger. Cuidado é preocupação com os
outros, com si mesmo, com o mundo, com a natureza. O sentido do ser (cuidado),
continua Heidegger, é o tempo. O tempo é, portanto, o horizonte a partir do
qual se decide o significado do cuidado. No meu tempo - tempo de uma época que supervaloriza a razão, o cognição, a ciência.
e desvaloriza a sensibilidade, a criatividade, a imaginação - o cuidado se
ocupa das coisas, do material, do capital, da aparência. A preocupação é com os
outros coisificados, com a natureza reificada, com as próprias coisas e com a coisa que eu mesmo sou.
Mas na roda, girando, cantando, para mim outro tempo começou. Esse tempo, é o tempo da renovação. A dança
circular alterou o meu ser, o meu
cuidado. Percebo que já não me preocupo com os outros em sua coisificação nem
com a natureza como coisa, mas, voltei-me para mim, cuido de mim mesma, mas, não como um ser
coisificado, cuido de mim como humana e, ao cuidar de mim, cuido dos outros e
da natureza porque sinto ambos ser uma extensão de mim. É pelo poder da dança
que me desvencilhei do tempo da razão (instrumental) e vivencio o tempo da
sensibilidade, tempo de ser humano, inteiro, completo. Como pode o dançar
acordar outro tempo? Como pode a dança ressignifca meu ser? O que sei é que depois do encantamento da
dança na roda, do giro, não seria mais a mesma. O encanto batem em mim em
lugares que nem sei – me comove, me alegra, contagia. Dançando em círculo, na roda do fogo, fui
tocada. E foi assim que me conectei com o centro, o sagrado que há em mim, foi
assim que outro tempo começou. É uma transformação que não me permite deixar a roda parar.
Luciana
Esmeralda Ostetto - (Tese de Doutorado)
Educadores na
roda da dança: formação-transformação.
Martin Heidegger - Ser e Tempo