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sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Permacultura do ser (com o outro)

Tatiana Palm
 


O conhecimento se dá na relação, nas inter-relações. Estar com o outro é aprender com a sua historicidade, com o seu contar, com a sua interação. (Com)viver e inter (agir) é ter a possibilidade de refletir, de compreender melhor a si mesmo, de autoconhecer-se pelo outro. É ter a oportunidade de desenvolver a escuta. Ao exercitar a escuta do outro, aprendemos a estar atentos ao agora. E assim, a vida se abre como um leque, com diversas possibilidades. Quando nos tornamos dispostos a ouvir mais do que falar, além de nos tornarmos menos mecânicos, reducionistas e simplificadores, menos juízes, nos tornamos não só mais atenciosos, silenciosos, compreensivos e criativos, mas mais humanos, mais calmos (silenciamos nossos ruídos interiores). Como li um dia desses: “enquanto toda a sociedade moderna nos impulsiona a agir e a fazer, a escuta está envolvida justamente com o movimento contrário, que é permanecer em calma e silêncio numa não ação ... Em vez de se ir para fora, vai-se para dentro”.  E, foi o encontro de permacultura que, outra vez, me permitiu exercitar a escuta, que é uma das nossas primeiras experiências do mundo (“ouvimos a corrente sanguínea da mãe, sua voz, nosso batimento cardíaco”). Na permacultura do ser, a escuta atenta me permitiu ver mais de mim mesma, fez surgir compreensões a que não teria chegado individualmente. Ao ouvir as vozes do feminino, entrei em comunhão com elas, formei uma identidade, e, quis criar. Sim o escutar é criativo e não menos transformador!
 

 

Nas inter-relações permaculturais adentrei no universo feminino para desvendar os mistérios do sagrado feminino. Ouvindo compreendi sobre o poder da energia sexual, a importância de canalizar tal energia para a criatividade e autoconhecimento; compreendi o valor do ato de proteger-se contra a perda da energia, a qual é perdida por nos movermos por aí “abertas”, demasiadamente receptivas e disponíveis; compreendi mais a respeito do poder feminino: o poder do não. Tornei-me ciente da energia que tem o amor, da energia que está no desejo, da energia presente no ato de entrega (ao outro); ainda mais ciente fiquei sobre o poder do jogo, o jogo que faz parte da sedução, do encantamento. O poder de encantar, ainda que sem entrega, é um poder de que andamos esquecidas porque acabamos nos entregando rápido demais, cedo demais, fácil demais. Quando se trata de seduzir, é importante usar mais a racionalidade que a sensibilidade. Na sedução é preciso ser mais racional. A busca de controle sobre si, do seu desejo, do seu corpo, dos seus pensamentos, da sua vontade promove um autoconhecimento além de prazer, um prazer oriundo de um certo “sofrimento”, de uma resistência, do dizer não. O poder do não se torna interessante em uma cultura predominantemente machista, cultura em que o “amor” carrega muito mais a marca da sexualidade do que a da fraternidade. Como muito bem observou uma amiga portuguesa: transpiramos em nossa cultura a sexualidade, os tons da sexualidade estão no olhar, nos gestos, no portar-se. É isso o que primeiro vê um estrangeiro: a diversidade, o divertimento, a sexualidade. Nesse contexto, dizer não pode ser dizer sim ao ser mulher por inteiro, criadora, independente, forte, em nada submissa, senão uma igual, apoderada de si, do seu ser mulher.


Na permacultura do ser, há, portanto, inter-relações femininas, nas quais circula um conhecimento que pertence a esfera do sagrado feminino. São conhecimentos que não nos permitem apenas resgatar a importância da mulher, o seu valor de ser “divinizada” por ter o poder de gerar outra vida, mas, mais do que isso, são conhecimentos que permitem à mulher redescobrir o seu papel como um ser social, o seu papel dentro da própria permacultura. Além disso, permacultur(ando), você também pode encontrar-se com um outro eu. Não apenas é surpreendente, de repente, você estar se vendo no outro, ou ainda, vendo o outro como um igual, mas é ainda mais surpreendente o fato de que o que parece ser uma amizade eterna, devido a afinidade, a empatia, a semelhança, o contato, a troca de experiências, não passará dali, daquele momento. Isso porque, certamente, era para ser o que foi, naquele momento, único. Há ainda aquelas relações sem relação porque com o outro apenas se trocou olhares, sorrisos e nenhuma palavra e, no entanto, ambos sentiram um reconhecimento e uma compreensão sincera e profunda. Enfim,  na relação que se dá por afinidade, na inter-relação que te aproxima do outro intuitivamente, no relacionamento sincero, mediado pela escuta atenta e pelo silencio interior também dá-se o conhecimento. Conhecer é também aprender e reaprender incessantemente com o outro.