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segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

A mulher que sou



Me perguntaram:
Como ocupas teu tempo?
Ah!! ... como se fora do mundo do trabalho
não houvesse nada a se fazer

Digo
Que observo o movimento dos pássaros,
A vida a germinar e florescer ...
Localizo ninhos,
Acompanho o desabrochar da flor
Cuido da terra
Planto pra cultivar o interior

Pratico o cuidado de si:
medito, estudo, exercito a criatividade
O amor desinteressado
(no trabalho voluntário).
Me reconecto com o feminino
ameaçado em seu ser
pelo mundo laboral e impessoal.

Cuido da casa, lavo, só não passo ...
Sem revolta, sem menosprezo...
Realizo a alquimia na cozinha:
descubro aromas e sabores
Sujo as mãos na terra
Só para flore(S)er

Observo os ciclos da lua,
os meus ciclos...
Percebo as estações passando pela terra,
Sinto-as passando em mim;
o movimento do morrer para renascer

Permito ser tocada pelo tambor que toco
Na roda de capoeira:
rodo, brinco, danço, jogo
Só pra dar leveza ao corpo
e alegria ao espírito

E, tudo isso que faço,
somente o faço 
por estar fora 
do lugar que tanto lutamos
para estar
e em pé de igualdade, competir:
o mundo do trabalho.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

O caminho é para dentro








O divino não está no movimento
O divino não é complexo
O divino é alegria manifesta no caminho
Que recomeço, aqui e agora
É Shiva, a renovação:
Da persistência e firmeza,
Do enfrentamento de si
Da prática da abstração dos sentidos
Do exercício da presença
Do sentido que é a existência
No caminho do religare
Ao divino que me habita
Na simplicidade de ser o que sou
No cultivo do desapego
No cessar do juízo e dos desejos
Na observação dos pensamentos
Esvai-se o ego ....


Em beatitude interior
da vida simples, verdadeira, autêntica
Sigo
Ciente de ser mais do que corpo e mente
E sabendo pouco do (que) Sou
Em leveza me expando
No inspirar-expirar
Na cessação que conduz além ....
Não longe, porque é perto.
...
Com o encontro nos sentimos em casa
em qualquer lugar.

terça-feira, 31 de março de 2015

O flore(S)er na montanha





Quando subi a montanha, disposta ao trabalho voluntário, carregava a certeza de que: dar é receber. O voluntariado é uma oportunidade para exercitar essa teoria na prática. Na montanha voluntariamente ofereci a ajuda e o esforço provenientes do meu corpo, a criatividade e o conhecimento, a energia e a alegria; quando sai dela estava cheia, carregava em mim a satisfação e o entusiasmo, o conhecimento expandido, a alegria renovada e um maior autoconhecimento dado na vivência com o outro (convivência): no encontro existencial. A montanha que, mais tarde, descubro ser “a montanha do Juan”, o xamã, curador e que, ainda mais tarde, também descubro ser o médico psiquiatra, amigo de Castãneda, um sábio, contador de histórias e que fez voto de pobreza.






Na montanha do Ruan, o trabalho voluntário esteve a serviço do bem, por meio dele foi possível fazer o bem aos outros e ainda mais a si mesmo. Certamente, estar ali foi uma oportunidade para exercitar o desapego. O desapego, é verdade, pode se dar em diferentes frentes, quero dizer, pode ser em relação as coisas materiais (em geral é o mais comum), mas também pode se dar em relação a quem temos vínculos afetivos ou ainda em relação aos outros e, principalmente, em relação ao resultado da sua ação. É justamente o despego em relação ao reconhecimento pelo resultado da ação o que tive a oportunidade de exercitar e, portanto, o fazer por amor e não por interesse. Fazer o bem sem interesse, fazê-lo simplesmente, nada esperar em troca. Compreendo que ser voluntário é estar à disposição, doar o seu tempo, sua força de trabalho, entregar-se ao fazer por amor a ele e não pelo que resultará dele.


Mas ali, na montanha, não só foi possível praticar a ação desinteressada (o despego) senão também foi possível respirar suavemente, sentir e amedrontar-se com a força do vento, parar o trabalho para silenciar e olhar, demoradamente, o verde vale; andar ensimesmado pelos caminhos desenhados no chão e, não raro, ouvir uma boa música enquanto cada um desenvolve o seu trabalho (em equipe ou não) em espaços diversos. E, como se não bastasse isso, na montanha, tive a oportunidade de exercitar o meu próprio ser e, assim, descobrir ainda mais acerca do que sou e sobre aquilo que desconheço ser, isto é, aquilo que somos sem saber que somos (nossas habilidades, capacidades, talentos, dons).
É preciso entregar-se, deixar o nosso ser se manifestar, ser que, geralmente, é ocultado por condicionamentos (físicos, mentais, culturais). O encontro existencial experenciado na montanha pode te oferecer a oportunidade de ser o que você mesmo é. E o que é preciso para desocultar seu ser? Compreendo que basta se entregar e deixar as coisas acontecerem espontaneamente. Quando nos entregamos e deixamos fluir o ser que cada um é, o ser que sou e que o outro também é, floresce. Simples e espontaneamente deixe manifestar-se aquilo que em ti dorme e que no encontro, na convivência, pode acordar.
Aqui, em cima da montanha, me aproximei mais da natureza o que significa pude me aproximar mais de mim mesma, daquilo que sou. Confio na compreensão interior que diz: volte-se ao seu interior, descubra o que você é, aquilo que faz com que seja único - descobrir o próprio ser é, assim, descobrir a verdade (que sou). Quando nos colocamos nessa jornada interior da busca do que somos, quando vamos permitindo ao nosso Ser se revelar, aí, naturalmente, somos verdadeiros e, assim sendo, despertamos a atenção do outro. Há algo de elevado que começa acontecer em nós quando nos voltamos ao nosso interior, quando vamos ao encontro do nosso ser, quando somos verdadeiros: acabamos irradiando paz, leveza, alegria, luminosidade, o que passa a ser percebido na troca de olhares, mas que nem sempre é compreendido. Quando permitimos que o ser (que somos) se manifeste (por meio de nós) uma felicidade natural passa a fazer parte do nosso estar-aí.


Na convivência voluntária há o fazer, o silêncio (que pode ser traduzido como sendo uma comunhão com a natureza), a descoberta do próprio ser (do que sou), e, ainda, o conhecer. O conhecimento é compartilhado na troca (dar e receber), no ensinar e aprender, na escuta e na fala. Ouvindo, compreendo que é preciso, para se libertar da ilusão da dualidade, perceber o outro como aquilo que eu mesmo sou. Compreendo que tudo o que existe fora de nós, toda realidade, é uma construção mental ou uma projeção da mente, da consciência que sou. Ao me dispor a ouvir, prazerosamente, conheço a historicidade que existe por trás do que o outro demonstra ser, torno-me mais sensível e comedida em julgamentos. Ensinado, me encanto com os espíritos livres e criativos que cada criança é. Ensino através do fazer e diante do desejo de apreender manifesto pelas crianças: seres de doçura e leveza, verdadeiros, alegres e curiosos. Ensinar no fazer é estar à serviço da curiosidade das crianças. Ensino, com amor e paciência, mostrando como se faz, mas também ensino pelo exemplo, o que significa, ensinar no fazer ainda que sem saber que se ensina. É possível saber que ensinamos, inspiramos, pelo exemplo quando vemos o nosso fazer sendo multiplicado, recriado, ressignificado. 


Sem dúvida, a con-vivência, é capaz de educar educadores já que nos convida a ser aprendizes, a exteriorizar o que somos. Quando nos entregamos, abertos, sem escudo de defesa, mais deixamos aquilo que somos, livremente, florescer mais podemos nos sentir num estado de elevação espiritual. Quando, no encontro existencial, exercitamos o “conhece-te a ti mesmo”, mais certeza temos de que não estamos existindo em vão, mais nos aproximamos do nosso silêncio (vácuo), e, cada vez mais compreendemos sobre o nosso estar (lugar) no mundo. Em relação ao lugar, Ruan, o sábio da montanha, disse o seguinte: temos necessidade de encontrar o nosso lugar, encontrar o teu lugar é encontrar teu vácuo, o poder ser. Se você não está em seu lugar, não pode ser. Fato é que buscamos tão longe está perto: o lugar que tanto buscamos não se encontra fora, mas dentro.