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quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Primavera: o Ser floresce em mim


   

           A descrição do que se experiência é sempre uma aproximação do que é experimentado. Ando saboreando a fragrância da Consciência que mora em mim, do Ser que me habita. Me aproximo da morada do Ser (autêntico). O caminho é longo, avanço em passos lentos, mas prazerosa e alegremente. Tudo começa no reconhecimento do presente, do agora, do ser e estar presente. Mas não basta o conhecimento do valor do agora, da atenção, é preciso mais do que isso para se sentir inteiro, completo: é necessário ter a experiência. Estar presente, ser atento, ser presença possibilita a inteireza no fazer, no sentir, no que se é (so ham). Estar no agora é estar em medit(a)ção.


          Atenção! Atenção! repete o pássaro da Ilha. Atenção é sustentar o foco sobre um objeto escolhido e não permitir a distração da mente. Para além disso, estar atento é o mesmo que ser-consciência, praticar a presentidade. Procure estar atento, presente, do teu exterior, mas também faça com que a luz da consciência (atenção) dirija-se ao seu dentro. Perceba: o que sentes? Por que sentes? Com a consciência do que se passa fora e do que se passa dentro, nos aproximamos do próprio Ser que somos, do Ser enquanto centro de força, que não é diferente das forças constitutivas do cosmos. Osho diz que, quando estamos no Ser todo e qualquer fazer se torna sagrado. Se vamos um pouco mais longe percebemos ser e fazer não representam uma dualidade senão que o Ser  está contido no fazer.
          Certamente podem questionar se a experiência de ficar atento ao presente ou ainda se o ato de manter a mente sem distrações pode ser uma ação do dia a dia. Ser presença não exige um retirar-se da vida cotidiana, ao contrário, significa adentrar nela ainda mais na medida em que nos tornamos plenamente presente em cada experiência subjetiva (do fazer e do sentir). Posso exercitar minha presentidade em pequenas situações com, por exemplo, no fazer um chá: opto pelo sabor, cuidadosamente esmago as folhas secas, escuto o seu ruído, percebo o movimento das minhas mãos, estou atento, estou presente no fazer. Não deve ser diferente quando você dança. Na dança é possível a mu(d)ança quando há uma entrega de si, o estar presente no passo, no ritmo. Anseie multiplicar o estar presente, estendê-lo a diversas e diferentes ações de modo que possa nele estar, ficar, permanecer como presença. Como disse Mooji, seja presença, a todo momento, onde quer que vá a sua atenção, traga ela de volta para o presente e, gradualmente, nossa consciência permanecerá lá (presente) sem esforço.


          Cultivo o ato de prestar atenção, especialmente realizado com base da observação da respiração e, quando saboreio, ainda que fugazmente, o estado do Ser também surgem as cores vivas que caem em cascata sobre mim causando sensações agradáveis. Torno-me sombra, vazio, protegida por luzes coloridas. Eu sou significa ser presentidade. Quando sou presença capturo o significado heideggeriano de Dasein, Ser-aí.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Na senda do yôga

Tatiana Palm



O nosso estudo e a prática de yôga começou a mais de um ano e logo de início ocorreram mudanças em nós mesmos.  O que primeiro notamos, até porque tornou-se  visível,  foram  os  benefícios  relacionados  à aparência  física:  nos  sentimos  mais  saudáveis (em boa forma física)  e  sentimos o aumento da vitalidade.  A mudança, no entanto, não ocorre somente do lado de fora: interiormente também acontece o movimento.


“Quanto mais o homem afasta-se da natureza, mais se afasta de si mesmo, da vida e do silêncio criador”. Ainda antes de enveredar nos caminhos do yôga já havíamos nos reaproximado da natureza, havíamos nos reconectado a ela. Assim, trilhando o caminho do yôga não só passamos a ter mais vitalidade senão que também reforçamos a nossa conexão com a natureza e com nós mesmos e inevitavelmente vivenciamos um desapego em relação ao material, às coisas do mundo: coisas tão pequenas, fugazes, perturbadoras.
Com a prática do yôga passamos a prestar atenção em nossa respiração, corrigindo-a; nos tornamos atentos ao ritmo do nosso corpo, acalmando-o. Assim, nos tornamos mais compreensivos, mais pacientes, mais calmos, mais presentes. Com o yôga também passamos a ter mais energia, e, por isso, tornou-se comum a situação de ser polo irradiador de energia. Por onde passamos espontaneamente não raramente vamos irradiando vibrações positivas, força, vitalidade, bem-estar, alegria que, geralmente, contagia e cativa aquele com quem nos relacionamos. Começamos a nos descobrir como sendo seres de luz (pessoa iluminada).


A alegria, que parecer ser própria da prática do yôga, nos dá a leveza necessária para voar sobre os significantes insignificantes problemas. Ela cativa, abre portas que sem ela, certamente, nos exigiria mais esforço. Além da alegria a criatividade também renasce. A criatividade artística e intelectual nos fez encantar nosso cotidiano e reencantar a prática educativa em sala de aula. Com a leveza própria da alegria e com a criatividade melhoramos em nosso ser-com os outros.
O yôga conduz ao caminho da felicidade, aquela que carregamos lá no interior, e que não depende de nada que vem de fora. Uma felicidade que quando encontrada é impossível não dividir com os outros. Isso só é possível porque o yôga faz com que, em nosso interior, aconteça a alquimia dos sentimentos, dos pensamentos, da perspectiva (do óculos que usamos) com que enxergamos o mundo.


Com a prática do yôga nos encontramos com a meditação: cultivamos o silêncio que nos dá o encontro com nos mesmos. “Meditar é voltar sobre si mesmo. É descobrir-se. É interiorizar-se. É silêncio.” Silêncio não diz respeito apenas a perturbações exteriores senão também às interiores (pensamentos). Como apaziguar e silenciar o fluxo de pensamentos alimentado continuamente pela atividade dos sentidos e pelo subconsciente? É importante não nos esquecer que é próprio da essência do ato de pensar produzir pensamentos, então, silenciar a mente não pode significar esvaziá-la de pensamentos, isso é impossível. Descobrimos que silenciar significa muito mais colocar-se como observador do fluxo mental sem por ele ser arrastado. Silenciar é transcender o fluxo dos pensamentos. É colocar-se como observador de si. Isso parecer significar estar no olho do furacão. Certamente, essa é uma prática que deve ser exercitada diariamente.


No meditar acontece o encontro com as cores. No conforto encontrado, na posição adequada, com a respiração ritmada, experenciamos a festa das cores, elas dançam em nós: azul, verde, lilás. Com o apaziguamento da mente começamos a focar com mais facilidade aquilo que desejamos e, assim, aprendemos a ter cuidado com o que desejamos, mentalizamos, projetamos mentalmente fora de nós. Compreendemos a veracidade do que se diz por aí: nós criamos a nossa realidade.
O yôga está, definitivamente, em nossa vida e, certamente, é muito mais do que uma aula praticada em um determinado tempo guiada por um instrutor. O yôga está em nosso dia a dia quando repetida e insistentemente procuramos transcender o fluxo de pensamentos, quando praticamos a concentração em um ponto, quando vamos lembrando de nos colocar em um postura confortável e de respirar adequadamente (com ritmo), quando procuramos estar presentes, ser presentidade, ser consciência permanecendo fixos em um ponto (no coração), quando nos voltamos para nós e procuramos estar entregue a nós sem nos importar com os outros. Lembramos que se importar é trazer para dentro o outro, o que, na sendo do yôga, pode ser um obstáculo para a solidão, o estar conectado ao si.


Namastê!

terça-feira, 24 de junho de 2014

Reciclar é transformar (se)


Tatiana  Palm


Em nosso dia a dia, certamente, já ouvimos falar em sustentabilidade. Na vida cotidiana é possível praticar a sustentabilidade por meio da incorporação de práticas como, por exemplo, a reciclagem. Mas, o que é reciclar?
Comumente falamos de reciclagem e logo pensamos em lixo, ou seja, reciclar é separar o lixo ou ainda dar um destino adequado ao produto que foi consumido e descartado. Por outro lado, também podemos dizer que reciclar significa colocar de volta ao ciclo produtivo o que jogamos fora, isto é, transformar o resíduo em matéria-prima para a produção de um material. Assim, a reciclagem permite diminuir a exploração dos recursos naturais e amenizar o impacto ambiental causado pela enorme quantidade de lixo que produzimos devido ao nosso consumo exagerado. Ela é uma prática que pode ser adotada por qualquer pessoa já que começa com a separação entre os resíduos seco e orgânico em nossa casa.
Reciclar, então, consiste na prática da separação e da transformação. Por causa deste último significado na linguagem corriqueira associamos a reciclagem não só aos resíduos senão que também falamos do reciclar das ideias, dos pensamentos e sentimentos, dos hábitos e atitudes, dos comportamentos. Nesse sentido, reciclar assume o significado de renovação.
 Em dias de outono as folhas caem das árvores, aproveitemos o fim desta estação para assim como as árvores nos reciclar (renovar): praticando novos hábitos de consumo, reduzindo a produção do lixo (resíduos), cultivando bons sentimentos, boas palavras, bons pensamentos, boas relações. A renovação de nós mesmos e das nossas práticas cotidianas contribui para melhorar o mundo à nossa volta.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Cultivando o jardim: a permacultura de fora é a permacultura de dentro




          Por que tem coisas que escutamos e não esquecemos? Uma delas ouvi em um encontro de permacultura: o que vem primeiro, o jardim ou o jardineiro? Perguntas são filosóficas. Na ocasião, por mais que a pergunta incomodou, não obtive resposta. Somente mais tarde descubro que o autor dessa frase é Rubem Alves: "O que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro?" Para meu sossego, também encontro uma resposta que me satisfaz (não aquela dada pelo autor): responderam-me que os dois são importantes. Sim, como pode existir jardim sem jardineiro ou, o contrário, jardineiro sem jardim?. Comparativamente: não há permacultor sem permacultura ou vice-versa. Quando existe permacultura fora também acontece a permacultura interior. A metáfora diz que sentir-se jardineiro é sentir a presença do ser maior: criador e cultivador do mundo. Isso me faz pensar que ser permacultor é ser jardineiro.



  
          Tornar-se permacultor é isso: apoderar-se do poder da criação e do cultivo. Permaculturar no jardim-quintal significa mais do que colocar as mãos na terra e cultivar, significa cultivar a si mesmo, restabelecer a relação perdida com a natureza, cultivar boas relações com os outros. Em harmonia com “o verde das folhas, o colorido das flores, as variadas simetrias das plantas, os pássaros, as borboletas, os insetos, as fontes, as frutas, o perfume ...”[i]  nosso interesse volta às metas espirituais e não àquelas materiais.  A permacultura e o metamorfosear-se (tal como o das borboletas) conduz ao encontro da simplicidade, e, em uma vida simples, natural, sustentável os dias deixam de ser jornadas vazias por estarem completamente reencantados. Na simplicidade voluntária, com o consumo só do necessário, é possível alcançar uma felicidade ainda não experimentada: uma felicidade simples, com coisas simples, fazendo coisas simples. Sim, é fato, com a transformação da paisagem exterior magicamente a paisagem interior também se transforma.



         O cuidado com o jardim de hortelãs, alecrim, manjericão, de vegetais, de flores, exige atenção, dá trabalho ... os jardins se transformam o tempo todo: nascem, crescem, florescem, perdem as folhas, deixam de ser. Ao estar entregues ao cuidado do jardim nos voltamos a nós mesmos, nos descobrimos na simplicidade do ser, nos encontramos com o yoga. O estudo e a prática do yoga abre um novo mundo diante de nós. Se por aí compartilhamos o sentimento do vazio, do desespero, se por aí levamos uma vida niilistas, agora, renascemos, nos encontramos cheios (de sentido),  encantados transbordamos alegria, amor, sentido. Finalizo compartilhando nosso sentimento de que o yoga em nossa vida – abre as portas do mundo, ascende uma luz dentro de nós e nos coloca a caminho da autorealização.



          O grande ensinamento consiste no aprendizado do desapego que não corroe como um verme, o grande desapego: que ama, e que quanto mais se desapega, mais ama[ii].

         



[i] Encontra-se em uma fábula de Rubem Alves.
[ii] In: F. Nietzsche . Assim Falava Zaratustra, terceira parte: do intenso desejo. 

sábado, 1 de fevereiro de 2014

A diferença é o que temos em comum




Quinta-feira,
Paralelas que se cruzam ...



O reconhecimento de si, o reconhecimento do outro, o reconhecimento da união, o sentir-se um no diverso. O reconhecimento de si como trio, trica, tribo. O ponto comum: desejo ansioso de estar juntos. Preocupação explícita de um com o outro. O Cuidado com o outro. Compartilhamos o valor e alegria de ter um ao outro, compartilhamos saberes: Heidegger e sua filosofia do Dasein, do ser- aí, presença. Heidegger e o jogo do ser existencial e do ser objetivo (histórico-temporal). Jogo que é movimento, aberto, com regras (limites). Jogo que não se joga sozinho: o jogo da vida. O jogo de um contexto contemporâneo, niilista, desencantado, marcado pela tecnologia. Um jogo limitado por regras. Regras que em um âmbito social podem ser compreendidas como o que Latour descreve. 
No jogo do ser no mundo desencantado, realmente, parece que só um deus poderá nos salvar. Om Namah Shivaya: honre a divindade que mora em ti. É disso que começamos tomar consciência no nosso reencontro. Mas, um bom reencontro também costuma ter outras coisas: calor, brisa do mar, afinidade, sentimento comum: sorrisos, alegria, bem estar, paz. Harmonia. Sincronicidade. É prazeroso perceber o outro como companheiro do despertar dos sentidos, do pensamento, dos sentimentos, enfim, na senda da espiritualidade. Sim, o caminho é sempre múltiplo. É inevitável escolher uma estrada. Os diferentes caminhos parecem seguir a mesma direção, parecem conduzir ao mesmo ponto: o encontro, a unidade.

Sexta-feira,
Into the wild: na senda do Rosa

Trio, trinca tripé, tribo – quarteto. Os elementos da natureza podem explicar algo de si mesmo? E, assim, brincando com imagem e elemento descubro no encontro o elemento água (mar), o vento (ar), o sol (fogo) e o elemento que faltava. O complemento, a terra: a menina mulher Laura. Encantadora, de sorriso fácil, de pele morena, de gosto e estilo requintado associado com simplicidade. Sensível, crítica, sabe silenciar assim como aprecia o estar só. Sim, ela conhece o valor do silêncio que provoca ou permite o silêncio do outro. 

É fundamental saber ser só para estar com os outros. É na solidão silenciosa que descobrimos mais sobre nós, refletimos, nos movemos para dentro. O silêncio nos aproxima, nele criamos uma relação mais íntima entre o exterior e o interior. Assim, torna-se mais fácil encontrar o equilíbrio. O silêncio nos aproxima de nós e do outro. O silêncio nos aproxima da natureza e vice-versa: há o encontro de si possibilitado pela natureza e o revelar sobre si no contato com ela.



Na trilha, sobre a grama verde, vendo o mar desvelou-se a Laura. Fala de si para nós e falamos de nós para ela. Sim, há mundos distantes, mas em comu(m)unidade. Não deixamos de nos preocupar com a integração e com o respeito ao outro. Não esquecemos de ouvir o outro, ainda que desconhecido, distante. É quando nos dispomos a calar e ouvir o outro que aprendemos com ele, compartilhando sorrisos, integrando, comungando. É quando ouvimos o outro exatamente no momento em que gostaríamos de estar sendo ouvido, que aprendemos. É quando ouvimos o outro que nos tornamos abertos ao mundo. Constato que compreender a vida como movimento, como fluxo é também entendê-la como sendo aberta, um movimento aberto ao outro, à interferência anunciada do outro.

Sábado,
Padang: constatações de um dia cinza


O coletivo não pode ter a pretensão de anular o querer individual. Um quarteto não pode ter a pretensão de ignorar e de fazer-se surdo ao outro, ao pensamento do outro. Nem pode impor a vontade de um sobre o outro, de um querer duplo sobre outro. Na diversidade há o conflito. No conflito deve prevalecer não a disputa, mas o bom senso. Ouve-se, segue-se o caminho do meio. O meio-termo aristotélico. Ponto central nisso é o modo como dizer o que se quer dizer. Em diferentes momentos houve dificuldade ora porque a fala parecia impositiva, ora porque soava ofensiva ou ainda porque refletia certa vaidade individual. Assim como disse Che Guevara: "Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás" do mesmo modo, diga o que deve ser dito, mas com ternura. Palavras bonitas podem soar ofensivas quando não se sabe falar. A comunicação, certamente, é um problema das relações interpessoais.
Podemos interferir decisivamente no ambiente ao qual estamos pelo modo como falamos. O contexto, a situação pode se tornar melhor ou pior dependendo da entonação da voz, das palavras escolhidas, da intensidade com que são proferidas. Verdade é que conseguimos lidar com isso desde que temos ciência disso. Estar ciente é estar atento ao que se diz, como se diz e ao efeito do dito. É preciso estar ciente de que sou parte da relação dialogada que estabeleço. Se o conflito aparecer devo voltar a mim e não ao outro, ao que eu disse e como disse e não me ficar presa ao modo como o outro compreendeu. Exemplos sempre serão bem-vindos já que em um diálogo eles dão uma garantia da compreensão do que eu digo.
Assim como devemos estar atentos às palavras, é preciso não descuidar dos pensamentos nem dos sentimentos.
Atentos a si respeitamos a escolha, o ser livre. A liberdade é fundamental no coletivo. Liberdade de escolha. Mesmo quando  se faz o que democraticamente foi deliberado pelo grupo, há liberdade. Penso que em um relacionamento conjugal vale o mesmo: é preciso dar liberdade. Se a cada dia estou ao lado do outro é porque fiz a mesma escolha de ontem, é uma escolha que renovo todos os dias. O amor não aprisiona, seja ele como for.

Domingo,
Into the wild: na senda do Ouvidor


Assim como o "saber falar" o "saber ouvir" é fundamental. Calar para ouvir, eis a dificuldade! No falar há um desespero silenciosa que quer ser ouvido, mas, quanto mais falamos e menos ouvimos mais surdos ficamos para o que grita dentro de nós.  Saber ouvir o outro, saber ouvir a si mesmo, é uma questão de respeito.
Em silêncio na praia do Ouvidor compreendo que existe uma inquietação que é provocada pela desarmonia entre o mundo interno e o externo. Quando há uma harmonia do ritmo interno com o do mundo externo sente-se um bem estar. É preciso estar em sintonia interno-externo e, isso significa, o ritmo e a velocidade do mundo exterior e interior devem estar em acordo. Isso se anuncia no discurso  sobre o valor do respeito ao ritmo natural. A frequência natural é abalada, desritmizada, principalmente pelo mundo exterior: acelerado, estressado, impaciente, materialista, objetificado, niilista. O nosso ritmo interior anda em desacordo com o do mundo exterior. Foi dito: “a existência tanto individual como coletiva se tornou unilateral, isto é, perdeu seu equilíbrio.”
Com espanto alegre compreendi que é do desequilíbrio entre os dois mundos (o objetivo e o mental (subjetivo) que brotam doenças mentais). As doenças, filhas do desequilíbrio no ritmo afetam principalmente aqueles que possuem uma boa capacidade intelectual. Pensando ainda mais longe: o contexto interfere decisivamente para acelerar ou equilibrar o ritmo externo em relação ao interno. Se o desaparecimento de uma doença mental depende de um modo de vida equilibrado entre os dois mundos (interior e exterior), certamente, ela pode ser agravada ou amenizada em função do ambiente social-natural em que se vive.
... Nossa praia é o mar ...

Segunda,
Na diversidade existe o conflito 

Chapati. Planejamento coletivo. Respeito da frequência natural. Cada um tem seu próprio ritmo, mas quando nos dispomos a estar com o outro não podemos desprezar o fato de que o ritmo individual é uma parte inseparável do ritmo coletivo. Percebo que o ajuste entre os ritmos é fundamental para o estar contenti (ato de estar satisfeitos consigo próprio) e, consequentemente, do bem-estar coletivo.
No processo de ajustamento do ritmo matinal individual ao coletivo ouvimos aquela voz (já familiar) dizendo: “vocês chegaram aí como índio, batendo em pedra, mas como se faz? vocês colocam terra”?
Ensinar significa deixar um sinal, deixar uma marca. E, neste caso, ensinamos pelo exemplo. No momento em que montamos acampamento também separamos os resíduos, construímos nossa composteira. É questão de coerência entre o dizer e o fazer. Quando não respeitamos isso, ou seja, quando há o desacordo entre teoria e prática pode existir o conflito. Um conflito existencial.

“O mundo está repleto de diversidade num cenário de formas e cores variadas e expressões diversificadas”



Os conflitos são parte da nossa vida. Na diversidade o conflito é inevitável enquanto que aprender com ele é essencial. O silenciar e o voltar-se para si: a auto-análise. O que primeiro geralmente fizemos é olhar e apontar o outro. É culpar o outro. Entretanto, não podemos esquecer que relações surgem de modo simultâneo e são interdependentes. E isso significa, que nós fizemos parte da relação conflituosa. Não há como modificar, alterar, melhorar uma relação se não entendemos que fazemos parte dela. O estar só, o retirar-se do coletivo, o olhar para si, permite o reconhecimento de si como parte responsável do conflito. Quando entendemos isso, passamos a ter responsabilidade não só sobre aquilo que dizemos como também do modo como anunciamos.
Sim, em diferentes momentos ora um ora outro retirou-se de cena para ficar a sós consigo mesmo, ainda que sem estar consciente da importância disso.




Terça,
Os sons e os perfumes dos estados fundamentais


Quando nos propomos a por o pé na estada e abrir mão do conforto da nossa casa devemos nos preocupar com necessidades básicas como alimentação, vestuário, segurança, mas, além disso, é igualmente importante a preocupação com a trilha sonora e com o perfume (cheiro). O aroma no ar afeta uma área em que a consciência não tem acesso nem domínio que são os estados de ânimo. O mesmo faz a música. A combinação entre o cheiro e som pode determinar a maneira como você vai conduzir o teu dia, pode interferir, inclusive, na perspectiva de interpretação do mundo compartilhado com os outros.


Venha sol, venha sol pra iluminar o dia
E venha sol venha sol pra harmonizar o diaa
venha sol venha sol pra iluminar a vida

Gaia Piá – Venha sol.

A música inspira, interfere na realidade, altera o ambiente onde se está e muito além onde nem percebemos. Se a música tem o seu poder próprio não menor é o poder da poesia. Penso que ela costuma dizer aquilo que muitas vez não conseguimos expressar. Dado o seu valor, além da música também nos encontramos com a poesia. No fim deste dia celebramos com a poesia de Fernando Pessoa.


“Pertenço a uma geração — ou antes a uma parte de geração — que perdeu todo o respeito pelo passado e toda a crença ou esperança no futuro. Vivemos por isso do presente com a gana e a fome de quem não tem outra causa.

Quarta,


Gaia Piá – O ouro da terra

“Ser livre como o vento, pra longe chegar ...
Quanto mais for verdadeiro, mais o sol pode brilhar ...
... Chegou um novo tempo ...
... É a frequência natural ...



Nos percebemos no mesmo movimento, no do despertar da espiritualidade. Cada um no seu caminho. É comum que uns sigam a senda oriental: yôga, meditação, taoísmo; enquanto outros na senda religiosa e outros outras sendas ... há tantas ... Cada existência tem um caminho próprio e um ritmo, porém, quando o movimento é para a mesma direção, quando os existentes despertam, se põem na busca da espiritualidade, então, toda a diversidade e todos os diferentes ritmos passam a ter sincronicidade. Talvez seja por isso que em caminhos diferentes identificamos o mesmo: o despertar para a presentidade do ser, isto é, para o presente do ser no mundo. Ser no presente, estar no presente: viver o agora. No agora se abre uma outra percepção da realidade e modifica-se a escala de valores (existenciais). O tempo presente é o que existe. No tempo presente vivenciamos a experiência de outro tempo que começa, agora. O bem-estar e a alegria incontida, pairam no ar, contagiam. Sim, vivenciamos a experiência de um tempo autêntico.

Quinta,
'"O caminho do excesso conduz ao Palácio da sabedoria"?!
William Blake
Excessos conduzem ao desequilíbrio. Exagero, excessos revelam o eu que não reconhecemos ser nosso. Excessos animalizam o homem. O homem dominado por algo em excesso torna-se um ser inferior já que nem a razão nem o sentir tampouco o dizer e o fazer tem a possibilidade de funcionar em harmonia. Este homem não poderá exigir respeito porque além do outro está desrespeitando a si mesmo. Excessos autorizam ao outro te inferiorizar bem como te desprezar. Excessos podem causar uma noite mal dormida, uma ressaca física e/ou moral. Podem provocar arrependimento, esquecimento de si e do outro além de gerar cansaço, desatenção, culpa. Toda uma relação construída durante anos pode desfazer-se mediante excessos seja de que tipo for. Até mesmo o dia seguinte de uma noite de excessos corre o risco de ser um dia perdido. No entanto, tudo é uma questão de atitude, do modo como te põe diante da vida, de cada dia, dos acontecimentos dos dias, das dificuldades, decepções, do sofrimento.

Para cima e para o alto
Quando mencionamos o valor da atitude pensamos aqui tanto no âmbito do físico quanto do mental. A atitude mental diante da vida é fundamento de uma atitude real/física. Como andei lendo por aí: “as dores e as agonias sofridas pelas pessoas são mais psíquicas do que físicas”. Consequentemente, se nossa atitude mental for de negatividade diante de uma situação, certamente, nossa ação também será negativa. Percebo que ao saber disso tenho em mãos o poder de transformar qualquer dia difícil em um dia mais ameno ou um sofrimento pesado em um peso mais leve. Assim como é preciso saber querer, sobretudo, é preciso transmutar sentimentos e pensamentos diante das situações existenciais. 

Sexta,
O fim é o começo




 Os dias de convivência somaram momentos de leveza, alegria, recolhimento, conflito velados, reflexão. Experienciamos cada dia como sendo um fluxo contínuo cheio de possibilidades, possibilidades de ser, fazer, sentir e pensar. As possibilidades estão por todos os lados. 
Um ser de possibilidades é o que somos e  temos o poder da escolha. Por poder escolher dizemos que somos um ser livre.   O âmbito das possibilidades não se limita ao mundo físico-existencial senão também ao psíquico-mental. Com o poder da escolha, apesar dos acontecimentos desagradáveis, não deixamos de vivenciamos e celebrar um dia bom. 
Ensinaram-me que o cheiro pode alterar estados de ânimo e que a música também pode influenciar tais estados. Se usados de maneira associada o poder de interferência é maior. Com o aroma do incenso e ao som de Pedro Guerra, “La lluvia nunca vuelve hacia arriba” celebramos a despedida do encontro. Celebramos a beleza da natureza, o despertar dos sentidos, o aprimoramento da racionalidade, a irmandade, a alegria, a criação do ELO.