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quinta-feira, 30 de março de 2017

Parto Humanizado?!


 
Em tempos em que temos que lutar pelo óbvio não é incomum a sensação de fracasso, principalmente, quando o esforço é para se impor contra um sistema estruturado e organizado como é o da medicina e, mais precisamente, em torno da questão do vir ao mundo, do nascer. Quando fizemos a escolha por um parto humanizado podemos fracassar ao defender que o fruto do nosso ventre chegue ao mundo de maneira natural e sem intervenção artificial, podemos fracassar porque não conseguimos fazer com que sejam ouvidos nossos anseios de gestoras, podemos fracassar quando não conseguimos garantir que o nosso corpo será respeitado, quando não conseguimos garantir que nosso plano de parto seja respeitado e sequer considerado pelo profissional que, supostamente, é capacitado para dizer o que é melhor a cada uma de nós parturientes e provedoras. Além disso, temos a sensação de fracasso quando não conseguimos seguir o que prega o discurso hegemônico acerca do parto humanizado. Nestes tempos há sempre muitas vozes orientado o que deve ou não ser feito, o que pode e o que não pode, o que é certo e o que é errado.
Diante disso, primeiramente pensamos: somos vítimas, não há como fugir ou, o contrário, sou refém, mas vou me impor para que seja respeitado o que considero como certo. Por um lado, a resignação, por outro lado, a luta (o conflito). O fato é que temos a sensação de fracasso sempre que a nossa vontade não é cumprida, ou ainda, quando as coisas não acontecem tal como queremos que aconteçam e, a primeira vista, não conseguimos entender o que está acontecendo. A princípio acreditamos que não fizemos a coisa certa, da forma correta, pensamos que certas habilidades são necessárias e que as nossas não são boas o bastante, e, se seguimos por esse caminho continuamos encontrando explicações para este e para outros fracassos que já foram ou ainda virão, mas, no fundo, por essa via, nunca compreenderemos os reais motivos do que chamamos de fracasso. A compreensão verdadeira acontece somente quando deixamos de olhar para fora e passamos a olhar para dentro, para aquilo que sentimos no íntimo e não para aquilo que os outros nos dizem.
O fracasso pertence ao mundo das escolhas. Escolho por um parto humanizado, mas quando as coisas não correm conforme o esperado pensamos: fracassei. Não escolher, por outro lado, implica em simplesmente ficar sentado esperando que outro decida por nós. Há, no entanto, sutilezas que residem entre o ato de escolher e poder fracassar e o não escolher. Considero essencial realizar escolhas, mas fracassar é opcional. Só temos a sensação de fracasso quando não aceitamos o que acontece, como resultado da nossa escolha, tal como é. Quando aceito que a escolha por um parto humanizado não tem o resultado esperado, ou seja, não se realiza tal como gostaria que se realizasse, então, não tenho a sensação do fracasso. A aceitação das coisas tal como elas são é, na verdade, o segredo. Isso, certamente, é difícil pois nossa tendência, ao escolher, é querer ter tudo sob controle, quando, de fato, muito pouco do que acontece na vida está verdadeiramente sob nosso controle.
Quando deixamos as situações ser tal como são, quando deixamos as coisas acontecerem, quando aceitamos que tudo o que nos acontece é o que deve acontecer porque é necessário que assim seja, então, relaxamos, deixamos de sofrer, simplesmente, fluímos com a vida. Fizemos nossa parte, mas, o resto, isto é, o resultado da nossas escolhas já não dependem de nós. Há uma força que pertence ao fluir da vida que faz com que o esperado aconteça ou não. É preciso, além da sabedoria da aceitação, ter confiança. Sim, a confiança é necessária até mesmo diante do nascimento de um novo ser no mundo. O fracasso, portanto, só existe quando não há aceitação nem confiança. Se confiamos não podemos dizer que fracassamos pelo fato dos acontecimentos não seguirem o rumo esperado e desejado, se confiamos sabemos que fizemos a nossa parte e o resto independe de nós, da nossa vontade. Na verdade, “tanto inverno quanto o verão são necessários para o nosso crescimento” o que nos resta é ser grato por aquilo que nos é dado em cada momento da vida. Que cada momento da vida torne-se um momento de gratidão!

Om Namah Shivaya!

 

domingo, 12 de março de 2017

Maternidade Consciente




 

A maternidade nos faz adentrar no mundo dos diferentes tons de rosa, lilás, salmão verde, azul .... nos faz retornar ao mundo infantil, da imaginação e do encantamento. É a oportunidade de reavivar vivencias da infância, de reviver com clareza as sensações infantis que experenciamos. Ela nos faz pensar que uma educação verdadeira é aquela que permite que a vida que geramos se desenvolva em toda as suas potencialidades. Ela nos mostra que educar, enquanto um ato de amor, é criar a oportunidade para que os dons e talentos do ser que geramos se manifestem e se coloquem a serviço do bem, da construção de um mundo melhor.  A maternidade desenvolve a sensibilidade e a paciência que nos torna capazes de, simplesmente, acompanhar o desenvolvimento do ser único e diferenciado que geramos e a realização do seu propósito aqui no espaço ao qual pertence e que foi colocado. Olhar, acompanhar, guiar, oferecer condições de realização são atitudes que exigem tempo, introspecção e silêncio.

Entrar no mundo da maternidade é ter a oportunidade de despertar o amor em forma de doação.  Doar-se ao outro, servir ao outro, significa, ao mesmo tempo, abrir mão de si mesma, agir por desinteresse, amar sem esperar nada em troca. A maternidade, que corresponde ao dar à luz, nos oferece a possibilidade de acessar nossas sombras que se manifestam no ser vivo com que estamos em fusão. É a oportunidade de nos conhecer a nós mesmas, de ser verdadeiras com nós mesmas, de crescer espiritualmente. Nela há a oportunidade do encontro com o arquétipo materno que cada mulher carrega em si, da reconexão com a energia feminina que pertence a um inconsciente coletivo feminino. Ela é a oportunidade de tomar consciência do próprio corpo, de sentir o nosso corpo abrir-se como as pétalas de uma flor para que a vida que vibrava dentro passe a pulsar do lado de fora.

A maternidade pode nos fazer repensar a forma como chegamos ao mundo. Ela nos faz querer que a vida que pulsa em nós floresça em seu ritmo natural, por meio de um parto natural, com mais prazer do que dor. Ela nos faz compreender que o parto pode ser um rito de passagem que nos permite transcender o mundo das formas (mundo material) e nos conduz até um mundo sutil, ali onde reside a vida que se conecta conosco. Ela nos revela o parto como um rito que nos permite acessar um outro estado de consciência, onde se perde a noção de espaço e tempo, um rito que nos faz renascer como mulher, que nos permite superar o medo da vida e da morte.

A maternidade despedaça a vida tal como ela é, sim, e desintegra nossa alma. Com os nossos pedaços emocionais esparramados por aí temos a tarefa da reconstrução de si, e, por isso, temos na maternidade a oportunidade de nos despedirmos da mulher-menina que vive em nós para nos tornar a mulher-terra, a mulher-pássaro. Somente a mulher-pássaro tem a capacidade da reconstrução, pois somente ela é capaz de transitar entre os dois mundos, o mundo físico (concreto) e o mundo sutil. Somente ela tem a capacidade de sobrevoar e lidar com as situações cotidianas e, ao mesmo tempo, voar em direção ao interior de sua alma. A maternidade ainda oportuniza a cada mulher a conexão com sua força interior, a conexão com sua natureza selvagem Não se trata, no entanto, do selvagem no sentido de descontrole, mas no sentido de conectar-se com os aspectos naturais e animais, tais como e o parto e a amamentação, o que nos fornece o conhecimento, a intuição e inspiração.

A maternidade nos dá a oportunidade do empoderamento de si. Nela temos a chance de tomar o poder e a responsabilidade da criação em nossas mãos, temos a oportunidade de nos tornar protagonistas e decidir sobre nosso corpo, o parto e todo o ciclo materno; podemos decidir ouvir a nossa intuição para tomar decisões e conseguir ser uma boa mãe, podemos crescer e evoluir por si. A maternidade ainda nos dá a oportunidade da sororidade, afinal, nos oferece a possibilidade de compartilhar nossas incertezas e emoções e não sofrer julgamentos, de nos amparar em outras mulheres sábias e experientes dispostas a guiar e cuidar de si num caminho de desconstrução-construção de si mesma. É o apoio afetuoso que permite explorar a abertura da nossa sombra, ele faz com que não nos assustemos com nossas partes ocultas, nos dá a confiança e força para navegar em nossa própria sombra e enfrentar as dificuldades que diferem apenas na aparência. Com a maternidade podemos encontrar uma rede de apoio, de compreensão e solidariedade que, por sua vez, nos faz sentir que, definitivamente, todas somos uma.

Por fim, a maternidade oportuniza a reminiscência de que há algo além do que nosso olhos veem, há uma força interior que reside em cada uma de nós, há um “eu sou” que deve ser encontrado. Nesse sentido, adentrar no mundo da maternidade pode ser iniciar uma jornada espiritual que nos conduz ao conhecimento de si, ao encontro de si mesma, a descoberta do “eu sou”. Isso é assim porque na maternidade vivenciamos a possibilidade de recordar da nossa conexão com a terra, (nós somos a terra, o alimento e os ciclos vitais), ela oportuniza repensar e feminilizar a sexualidade, o que quer dizer, reinventar a sexualidade, encontrar novas maneiras de se relacionar amorosamente, conectar-se com a parte feminina da essência que pertence a ambos, homem e mulher. A maternidade nos permite encarar nossas emoções, nos curar de nós mesmos e de um passado que carregamos dentro. E, nesse caminho, podemos manifestar o amor em sua forma pura, elevada, incondicional. É nesse caminho que as potencialidades escondidas em nosso âmago podem se revelar e a criatividade fluir. A aparição dos filhos, na verdade, rima com crescimento.

Para finalizar, é preciso lembrar que há uma imensidão de possibilidades que a maternidade nos oferece, porém, elas são dadas na medida em que vivemos uma maternidade consciente, caso contrário, ela pode, sim, fazer com que mulheres tornem-se, definitivamente, ainda mais distanciadas e perdidas de si mesmas, da sua verdade e do seu ser na medida em que atendem a um chamado interior, mas, simplesmente, cumprem um papel social que lhes é exigido: ser mãe.