Fora de casa, 2 meses e 20 dias, fora
de órbita, fora de ordem, tanto eu quanto você. Te olho e em tão pouco tempo
você cresceu tanto. Deixou do peito, deixou de comer a comida preparada pelas
minhas mãos, teve uma convivência diária com outra criança, dividiu a mesma
casa com prima, vó, tia, mãe, visitas ... e vive a distância de teu pai. Estes
são tempos de mudança, estamos em trânsito entre uma cidade e outra, entre um
estado e outro e nossa criança está fora de casa. É nesse contexto que percebo
que o conhecimento nos possibilita a empatia e compreendo porque a paciência é
uma grande virtude para Montessori.
Não posso me colocar no lugar do
outro se não compreendo o outro. É porque compreendo as necessidades da
criança, é porque sei do que ela precisa e igualmente do que lhe falta que me
torno mais empática com a criança que nossa filha é. Sei que ela está no auge
do período sensível da ordem e, de repente, o que lhe ofereço é a desordem.
Está fora de ordem o ambiente, as coisas dele e a possibilidade que ele oferece
de independência; está desordenada a sua rotina ainda que haja um esforço para
fazer o mesmo ritual (sequências de ações) no início e no final do dia e,
finalmente, há incoerência no meu próprio discurso porque ao estar fora de
casa, no ninho familiar, ficamos mais sujeitos a agir conforme fomos educados e
sugestionados a ter os mesmos comportamentos com nossos filhos. Claro que há um
esforço (da minha parte) de dar uma adaptada mesmo que mínima ao ambiente, há
tentativas de inseri-la em algumas atividades de rotina, mas, sobretudo, o que
predomina é o fato de que você e eu estamos fora de casa.
Nesse contexto o dia a dia me convida
e exige o exercício da paciência constantemente porque, na verdade, poucos
foram os dias em que a minha criança ficou bem, tranquila, calma, enfim, equilibrada.
O seu desequilíbrio é tão visível a ponto dela depois de poucos dias não mais
dizer "estou feliz, mãe!". Ao invés de felicidade e bem estar o que
mais presenciamos foram manifestações de comportamento desesperador (a birra
para o vulgo) e perturbadores que assustava a mim que não estava preparada para
vivenciá-los com tanta frequência e aos outros com quem convivíamos,
acostumados a interromper o comportamento da criança pela ameaça ou provocando
medo ou desviado o foco ou gritando. Os outros - que nada compreendem sobre a
atitude de aceitar a frustração, de permitir a criança manifestar sua raiva e
revolta, que não veem nessa situação de desespero a oportunidade de trabalhar a
questão das emoções da criança e o nosso próprio autocontrole - jugam, rotulam,
tanto a mim quanto a criança. Os outros duvidam da eficácia dessa atitude
acolhedora, empática e pacífica em relação a criança que chora, grita, bate, se
joga no chão e dá ordens; os outros se sentem incomodados porque a criança
perturba o ambiente e o próprio adulto. Como pode uma criança não perturbar? Se
isso acontecer é porque algo está equivocado. Uma criança perturba sim, com seu
choro que é a expressão de que algo não está bem, com a manifestação da sua
vontade, com a expressão da raiva, nervosismo e brabeza; com as
"birras" repetidas que, sinceramente, foram uma grande oportunidade
de trabalhar e encontrar em mim um estado de paciência, estado do qual não
houve reação violenta e raivosa, mas autocontrole compassivo e amoroso.
Tudo o que perturba o adulto, o que
provoca o olhar julgador do outro, tudo o que de alguma forma ele tenta evitar,
quando se está fora de casa, se intensifica e acontece com mais frequência.
Isso porque ao não estar em casa a criança vive não apenas em um ambiente nada
favorável e de desordem, senão também sofre com a intervenção constante e
desnecessária do adulto, com a falta de silêncio, com a falta do brincar solo,
com a exigência de dividir, com o julgamento que rotula. Quando educamos para a
autonomia a intervenção constante, o direcionamento no fazer, a ajuda vinda do
outro que está do lado de fora do processo, atrapalha; é um obstáculo porque a
criança não pode realizar o que ela quer e ela se irrita, grita, chora e exige
mais da mãe, que em meio ao tumulto e a desordem é o porto seguro, é aquela que
compreende a criança em sua necessidade e vontade. Como se já não bastasse a
falta de condições para fazer por si mesma, há o adulto sinônimo da voz da
experiência que comanda o tempo todo, inclusive, dá orientações nas
brincadeiras e, para complementar, há a falta de silêncio devido a televisão
ligada quando a sala está cheia e igualmente quando está vazia; há a exigência
de carinho e quando não acontece a correspondência de afeto nem a obediência,
outra vez, o julgamento.
Fora de casa, sem as condições
adequadas para o seu desenvolvimento natural que visa a conquista gradativa da
sua independência, a criança meiga, sensível, carinhosa, alegre, comunicativa passa a ser para o outro a chorona, a brava, aquela cheia de manias, birrenta e sem limites, desobediente. é exatamente quando estamos fora de casa - seja como no meu caso, fazendo uma mudança, seja no período de férias ou em uma viagem - que percebemos o quanto o ambiente preparado, a ordem, o silêncio são decisivos no modo de ser da criança que temos em casa.
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