Páginas

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Dez dias de silêncio



 
Recolho-me ao silêncio por dez dias. Desconectar para conectar-se a si, ao que se passa dentro. Retiro-me em silêncio, mas não em meio ao verde e a calmaria da natureza. Não! É preciso silenciar em meio aos outros, na convivência. Retiro-me para no silêncio concentrar a mente, torná-la mais sensível e refinada. É preciso tornar-se atento a respiração tal como ela é: inspirando e expirando sem esforço, naturalmente, encontro as sensações no corpo. O silêncio convida a experenciar em si mesmo as sensações e a sua verdade. Tornar-se consciente do corpo, dividi-lo em partes para ter a percepção do que se passa, do surgir e desaparecer das sensações. Todo o corpo é sensações. Um mente grosseira não consegue ir além de sensações grosseiras, como é a dor – a sensação de maior intensidade. Um mente sensível, refinada reconhece sensações mais sutis. Se o que temos consciência são de sensações sutis ou grosseiras não faz diferença porque ambas possuem a mesma natureza: anicca – a impermanência. No silêncio encontramos o ir e vir das sensações, o movimento diante do qual não devo reagir e sim tornar-me equânime. A equanimidade é a meta mais elevada.
 
Roda de Dhamma
 
Vipassana nos faz experenciar, a partir do silêncio e do sofrimento, a impermanência das sensações e nos ensina a equanimidade diante delas. Ser equânime significa não reagir, não possui aversão nem avidez pelas sensações que passam por nosso corpo, que vão e vem, que são agradáveis e desagradáveis. A avidez envolve o desejo e o apego - o alimento do ego, enquanto que, a aversão envolve a raiva. A equanimidade está acima disso, é a estabilidade mental que, por sua vez, conduz a libertação do todo e qualquer sofrimento e, assim, a um estado de paz e alegria. Equanimidade, basicamente, consiste em não reagir diante das sensações, mais além, diante do mundo. É não estar envolvido com o que passa, com o que muda, em outras palavras, estar liberto do mundo da dualidade, dos pares de opostos. A equanimidade mental é, na verdade, liberta(D)or.
 
 
Os dez dias de silêncio chegam ao fim. Todos saem dele tão cheios, eu, no entanto, tão vazia. Nada existia para ser dito senão as palavras previamente pensadas. Foram dez dias de imersão em si mesmo, dez dias sem falar, sem ler, sem escrever, e, inclusive, sem contato visual. Já no final do primeiro diz quis fugir, arrumar as malas e partir. Quase todos os dias pensava em desistir. Não houve um único dia que não senti dor. O corpo e mente gritavam para sair de lá. O que me fortalecia era ter compreendido que a natureza de todas as coisas é a impermanência. Assim, consciente de que a dor e o tempo eram impermanentes, chego ao fim. E, no fim, que encontro? O nada. O silêncio povoado de gritos gerou um vazio. Eu não era mais do que puro espaço, um nada. Choro. O choro brota e não faz questão de esconder-se tampouco quer cessar. Choro sem porquê assim como a flor vive, sem porquê.
 
 
O vazio, no entanto, apenas superficialmente pode ser igualado ao nada. O vazio não necessariamente é nada, pois, ele, certamente, está cheio de potencialidade, pleno de potência criadora. No vazio - no estado de vacuidade silenciosa, pulsa o vivo, o criativo que ganha formas, os contornos, quando saindo inverno encontrar a primavera: as condições adequado para florescer. Se, por um lado, uma verdade experenciada no silencio foi a da anicca – a impermanência, por outro lado, há o entendimento de que o vazio é somente um estado passageiro e, além disso, reconhecemos a sabedoria que existe na atitude do deixar ser. Consciente do vazio interior apenas deixo-o ser. Deixar ser consiste basicamente em viver o presente tal como ele é, entregar-se, aceitar a vacuidade. O ser e o vazio enquanto potência criativa são um e o mesmo sendo que em qualquer hora, tanto outrora, como agora e a toda hora se manifesta. A atitude do deixar ser pode ser compreendida como a atitude da equanimidade, da serenidade, da tranquilidade. É de dentro dessa atitude que podemos perceber a nós mesmos, a natureza, o mundo e os outros e, por fim, experenciar o divino.

Nenhum comentário:

Postar um comentário