Desenho de Juliana Ali
Em
O Segundo sexo Simone de Beauvoir
afirma que “a fêmea é presa da espécie” e que a fêmea abdica em prol da espécie
da sua individualidade (p.41 e 43). Isso contém a ideia de que a mulher, por
natureza, é um ser que está a serviço da espécie já que é parte do feminino a
possibilidade de tornar-se mãe. Com o nascimento da mãe, a mulher torna-se
presa da espécie porque já não pode não estar à disposição ou a serviço da
prole: nutre, ocupa-se dela com iniciativa, protege, e, quando necessário, luta
para defendê-la contra qualquer ameaça, e, em função disso esquece de si, ela
abdica da sua individualidade. Assim sendo, a servidão própria da maternidade
tem, a primeira vista, um sentido negativo e, ao que me parece, é isso o que
perpassa as reflexões de Beauvoir.
Quando
a mulher decide ser mãe e renuncia a si, a sua individualidade, ela se torna
uma escrava do outro, do ser gerado, visto que deixa de fazer por si para fazer
tudo pelo outro. É uma anulação da própria vontade, é um abrir mão de si, dos
seus interesses, enfim, do próprio ser da mulher para estar à disposição do
outro. No servir, o outro é o mais importante. E penso que é aqui que reside um
dos maiores conflitos da maternidade contemporânea: a mãe evita abandonar a si
mesma, evita assumir plenamente o cuidado da prole e a sua educação (ao menos
nos primeiros anos de vida) para não se resumir a ser mãe. É em nome das
necessidades de ordem econômicas, profissionais, psicológicas, sociais, físicas
que a mulher contemporânea, em geral, não serve a espécie; não se dispõe a
estar a serviço da prole. Se caso faz, compreende isso como sendo um sacrifício
pelo filho esquecendo, no entanto, do verdadeiro significado do sacro-ofício.
O
colocar-se a serviço da espécie quando é compreendido conforme o verdadeiro
significado de sacrifício possui um sentido elevado. Originariamente sacrifício
significa tornar sagrado o ofício, o fazer, ou seja, é ressignificar alguma
coisa e, no caso da maternidade, o servir à um filho. Quando vivemos o estar a
serviço do outro como sendo sagrado, a anulação da própria vontade ou o
abandono de si que a servidão exige é vivido como uma oportunidade de desconstrução
do próprio eu, do nosso ego que exige o tempo todo que nos coloquemos em
primeiro plano. O estar inteiramente a disposição do filho torna-se, assim, um
ato de doação. Ao doar-se podemos exercitar o amor em sentido elevado, isto é,
que é esquecimento de si, que não pede nem espera, que não reclama. Tal amor é
o amor crístico (de Cristo) de que tanto se fala mas que tão pouco colocamos em
prática.
Beauvoir,
Simone de. O Segundo sexo. RJ: Nova fronteira, 1980
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