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quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Maternidade e Consumo



Por que consumimos tanto? Por que crianças consomem tanto? A primeira constatação é que consumimos porque somos vítimas de um sistema capitalista, das propagandas que nos seduzem o tempo todo e em quase todos os lugares. As crianças consomem porque vêem os pais sendo ávidos consumidores, consomem porque comparam-se ao outro e querem ter o que o outro tem, consomem porque são constantemente bombardeadas por propagandas que passam nas telas e pelos programas que ali assistem passiva e “concentradamente”. Para além das causas penso que bastante eficaz seria pensar a respeito de alternativas de redução do consumo.
Como podemos consumir menos? Enquanto adultos, pais e educadores podemos reduzir o consumo se nos voltarmos para nós mesmos e nos questionarmos: o que nos falta? Há uma falta em nós e é por isso que somos facilmente seduzidos pelo consumo; porque existe um falta buscamos preenchimento, satisfação, realização consumindo. Essa falta nos faz sentir um vazio que falsa e temporariamente procuramos preencher com coisas que vem de fora, isto é, por aquilo que compramos. Entretanto, o vazio que temos, na verdade, é de outra ordem, quer dizer, é um falta interior, uma falta de sentido em relação à vida e não são as coisas que compramos que nos farão sentir-se plenos e inteiramente felizes.



 Quanto à criança, o seu desejo de consumo é diretamente proporcional ao tempo de exposição às telas: programas infantis, filmes, desenhos, etc. Se reduzimos a exposição às telas, certamente, isso terá impacto naquilo que nossos pequenos querem comprar. Há um livro chamado O Fim da Evolução (Joseph Pearce) que esclarece muito bem qual é o estrago que as telas exercem em nossas crianças. Um dado assustador que li ali foi que crianças entre 4 e 7 anos representam um novo e lucrativo mercado já que se forem estimulados adequadamente, essas crianças se tornam tão materialista quanto os adultos e, além disso, com os estímulos e a programação certa (programas adequados a cada faixa etária), os hábitos de compra de uma criança são determinados para o resto de sua vida antes mesmo dela completar seus 6 anos. Portanto, ao falar em consumir menos não podemos deixar de pensar sobre o tempo em que nossos filhos ficam expostos às telas.





Enquanto mãe que segue a pedagogia montessoriana em casa, considero que para reduzir o consumo de brinquedos, acessórios, roupas infantis é preciso olhar para a criança e ver o que ela precisa, de fato, em cada momento da vida. O que lhe interessa quando ela está com dois anos? Com dois e meio, e com dois e oito meses? Com três anos? Que tipo de brincadeira ela gosta? Que tipo de atividade lhe agrada, concentra, envolve, dá alegria? Do que ela realmente precisa? É de acordo com isso que podemos consumir o brinquedo, a roupa, etc. Se observarmos nossos filhos veremos que há a idade em que gostam de encaixar coisas, há outras que gostam de pregar, há outras em que se interessam pela matemática, pelos jogos de memória, pelos quebra-cabeças, pelas bonecas, pela bicicleta, etc. A criança nos diz do que ela precisa e cabe a nós não dar mais do que ela necessita porque corremos o risco de sufocar a criança com objetos e depois ainda exigir que ela saiba brincar de outra coisa que não seja aquela brincadeira que envolve o brinquedo comprado e, não raro, eletrônico, quer dizer aquele que faz tudo por ela.



 O natal se aproxima e um componente importante nesta altura do ano é o incentivo ao consumo. Seduzem a nós gente grande e, igualmente, seduzem as nossas crianças a comprar, comprar e comprar. Como podemos reduzir o consumo, ou seja, ter uma atitude consciente nesta época festiva? Como comprar menos para crianças que, simplesmente, são vítimas do modismo de escrever a carta para o Papai Noel, carta que se resume a ser uma lista de presentes ou ainda, uma lista de desejos? Penso que podemos frear o impulso de comprar que é impulsionado pelos apelos infantis quando focalizamos em outras dimensões, isto é, quando compreendemos e ensinamos que o Natal é muito mais uma celebração do amor, da partilha, da fraternidade, da união, da família do que o dia de ganhar presentes. Isso, no entanto, não significa que nossas crianças não possam ser presenteadas. Podemos sim nos preocupar com a qualidade e não com a quantidade de brinquedos, podemos optar por dar não um brinquedo que somos induzidos a comprar, mas um bom brinquedo. Bom é aquele brinquedo que interessa a criança e que, por isso mesmo, ela vai gostar e assim, brincar por mais tempo e mais vezes. Bom brinquedo não é aquele que brinca sozinho, mas aquele que desafia a criança e que oferece a ela mais de uma possibilidade de brincadeira, é aquele que desperta nela a criatividade. Certamente, dá um pouco de trabalho procurar e encontrar brinquedos que não aparecem nas propagandas que passam pelas telas, brinquedos que a criança, realmente, gosta de brincar e não feitos somente para serem comprados. Dá trabalho, mas vale a pena!!!

domingo, 20 de outubro de 2019

AMAmentAÇÃO



Como mãe que amamenta estou a serviço da espécie (como diria Simone de Beauvoir), mas com amor isso não é uma escravidão. Servir ao outro é maior do que servir a si mesmo, é doação. Há uma fusão que naturalmente existe entre mãe e filha e que é nutrida na doação, pelo amor. Não é só o leite do peito o alimento senão também o amor que nos conecta, que nutre o corpo e o espírito, que nos une. No nosso amor há unidade e é por isso que amamentar é sentir-se um com o outro.
A ação de amamentar no sentido de servir - quando ela é livre (demanda) - nos exige estar à disposição do outro o tempo todo, de dia e de noite. A criança procura o peito quando tem fome, mas também quando precisa de atenção, de carinho, de proteção. Para além de alimentar, o peito é aconchego, é acolhimento, é remédio. Quando está frustrada ou entediada diante em uma situação a criança procura o peito. Quando se irrita, busca o peito. Quando quer colo, pede peito. Quando se machuca, o alívio vem do peito ...
Contudo, AMAmentar dói, dói no início e no fim, principalmente quando dura o tempo da nossa fusão, isto é, mais ou menos dois anos. Depois de dois anos já não temos um peito abundante, já não temos a mesma disposição e prazer em estar aí servindo o tempo todo. Ás vezes até sentimos certa irritação porque já não queremos mais ainda que a criança continue querendo, vivenciamos um conflito interno e externo. Certamente, a indisposição e o desprazer é um sinal da natureza de que já basta, já é o suficiente. É, portanto, o desmame da mãe que primeiro precisa acontecer para daí a criança de maneira natural desinteressar-se e encontrar outras fontes de prazer e compensação além do peito. Tal desmame tem a ver com um desprendimento da imagem que criamos de nós mesmas como sendo insubstituíveis e sustentadoras da vida; tem a ver com um reinventar-se como mulher, agora, sendo mãe.
Quando a fusão emocional já não mais existe, quando a mãe consegue se ver como sendo algo a mais do que somente aquela que serve à vida, daí sim, a criança naturalmente percebe a si mesma como distinta da mãe, compreende que o peito, na verdade, não é dela, mas da mãe. Compreende que não é só o peito que alimenta e sacia, que se quer colo e carinho basta pedir; compreende que um beijo cura e alivia a dor, que um abraço ameniza a frustração e a irritação; sente que o amor não se limita a união criada no peito, mas está além dele, transcende-o. E, é assim que, por aqui, acontece o desmame natural e gradativo, de modo gentil e amoroso.

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

A dança dos Dervixes




Dervixes é o nome dado a ordem dos dançantes ou girantes e seu fundador é Rumi, o místico poeta persa. É do encontro entre Rumi e o seu mestre, o sol de Tabriz - dizem que foi o encontro entre dois oceanos – que nasce o que conhecemos como sufismo. O sufismo é a ordem dos dançantes (girantes) porque nele se utiliza a música, o ritmo e o giro como ferramentas para encontrar o êxtase místico, em outros termos, uma experiência de unidade. Em ordem, do ritmo lento ao mais veloz, circundando um centro, gira-se e gira-se ... girando encontra-se o estado fora do tempo, a presença. E na roda que gira por horas permanece no giro quem transcende o próprio girar, o dançar rodante, o círculo que é dado nas incontáveis voltas. Para chegar aqui, para transcender o círculo é preciso entregar-se ao rodar, à dança. A entrega envolve o abrir mão do controle (que é uma ilusão). Com a perda do controle há uma aceitação do (descontrole) que acontece e a dissipação dos papéis, isto é, do ego.


Penso que o tempo, o nosso tempo, compartilha da mesma circularidade ou ciclicidade da dança dos dervixes. Desconfio que o tempo é cíclico e não linear como nos ensinaram. Pense na história: há ascensão de direita e tempos de ascensão de esquerda; há corrupção combatida que retorna num outro momento (tempo); há golpes que vão e vem e mudam o cenário histórico (tempo) que acontece. Pense na própria história, na sua história de vida ... no samsara. Outra percepção de que o tempo é cíclico pode acontecer quando olhamos para a natureza: há nela ciclos que acontecem e eles são muitos! A vida e a morte é uma bela manifestação da ciclicidade do que tem vida, da ciclicidade do tempo. O tempo cíclico também é a essência do próprio mundo sensível, do nosso mundo, do mundo dual, em outras palavras, o mundo dos opostos. Onde há dualidade, opostos: bem e mal, bom e ruim, positivo e negativo, luz e trevas, prazer e dor ... há ciclicidade. O mundo físico é dual, portanto, nem um pouco linear.


Par além do pensamento e dessas palavras podemos vivenciar o tempo cíclico em nós: a mulher em seus ciclos lunares e, portanto mensais e o masculino em seus ciclos solares e, portanto, conforme as estações anuais. Experencio em meus ciclos lunares a rotação, o movimento de vai e vem dos pensamentos, das emoções, dos comportamentos. Há tempos de introspecção e de criação. Ora é tempo de interiorização, ora é tempo de exteriorização – de expressar a si mesma numa atividade do mundo. Ora é tempo de ação noutro agora de repouso. Os ciclos em mim acontecem no âmbito físico, no mental e das sutilezas. O tempo que sou é cíclico, o tempo do mundo onde vivo é cíclico, mas, é possível a transcendência da ciclicidade? Obviamente!
 Do mesmo modo que os dervixes girantes, podemos encontrar o estado de tranquilidade da alma de Sêneca, de serenidade do mestre Eckart, de equanimidade conforme o Vipassana, enfim, o estado de presença no ir além da ciclicidade ou por meio da transcendência dos ciclos. Assim como para os dervixes para chegar até aqui, isto é, para realizar a transcendência é preciso entrega, é preciso abrir mão do controle e compreender que para além da nossa vontade, há uma vontade maior. A entrega envolve uma abertura metafísica, o que quer dizer, um reconhecimento de que há uma ordem maior, uma inteligência superior conduzido os acontecimentos da vida. Isso, no entanto, é precedido de algo mais básico, que é a percepção e a tomada de consciência dos ciclos acontecendo. Com a percepção dos ciclos inicia-se o trabalho de superação, de colocar-se além, de transcende-los no seu ciclo no corpo, na mente, no sutil. O tempo cíclico é superado pelo presente. A presença é a transcendência na imanência!

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Flow





A água do rio flui e a vida é como o rio: um constante fluir. O fluir do rio representa a impermanência. Que nada permanece o mesmo, tudo muda - isso já dizia Heráclito. Deixar a vida fluir, deixar a vida acontecer é reconhecer o impermanente. A impermanência é o ser de todas as coisas. Como nada permanece sem sentido é se apegar:fixar-se as coisas, situações e relações. A fixação ao que é impermanente nos tira a paz.
...
Sobre essas coisas as crianças entendem muito bem. Passam do choro ao riso, facilmente. De um comportamento desesperador para o de tranquilidade vão facilmente. Elas não se apegam, simplesmente fluem... é por isso que, na pura essência, são paz.

terça-feira, 23 de julho de 2019

O opressor que mora em mim





Opressão, em sentido originário, remete a sujeição, violência, força. De modo geral, a opressão que sofremos vem de fora, do mundo exterior: do patrão, do senhor, da classe dominante, da família, da escola. Há, entretanto, uma opressão que reside dentro de nós e é em nome dela que ficamos presos, em nossos relacionamentos, ao jogo de oprimir antes de ser oprimido. Conforme Paulo Freire, é precisamente o opressor que reside em nós que precisa ser combatido e isso se faz por meio de uma educação libertária, isto é, uma educação que não reproduza a lógica opressor-oprimido; uma educação desse tipo não exige submissão nem obediência, mas liberta.


A opressão que nos pertence é a causa dos conflitos entre adultos e criança e também daqueles que pertencem ao âmbito da relações interpessoais e das relações que fazem parte da esfera do sistêmico, ou seja, os conflitos dos grupos, das comunidades, enfim, aqueles da coletividade. E qual a origem da opressão que mora em nós e que gera o conflito? A educação. Isso, no entanto, não é apenas uma constatação de Paulo Freire senão também de Maria Montessori. É porque, primeiro, os pais e, depois, a escola educam de maneira opressora que a criança aprende a opressão; ela se torna opressora e reproduzirá esse comportamento do lado de fora, no mundo exterior, nas relações que estabelece como ser-no-mundo. Em outras palavras, se educamos a criança baseados na opressão, quando adulto ela será vítima deste mesmo comportamento errôneo que vem se transmitido de geração em geração.


Em um livro chamado Il bambino in famiglia, Montessori afiram o seguinte: nunca um escravo foi propriedade de um patrão como a criança é do adulto. Nunca houve um servo cuja obediência fosse uma coisa indiscutível e perpétua como aquela da criança ao adulto. Nunca as leis esqueceram os direitos do homem como esquecem os da criança. Nunca houve um trabalhador que deveria trabalhar assim como queria o patrão, sem apelo possível, como a criança. O trabalhador também tem horas de liberdade e um refúgio familiar, onde a sua voz humana ecoa em algum coração. Nunca ninguém trabalhou como a criança, sempre submissa ao adulto que lhe impõe [...] (Pág. 11-12, tradução livre). Aqui está, portanto, a origem da opressão em nós. Ela nasce quando desde os primeiros anos de vida os pais-educadores exercem a autoridade sobre a criança e exigem dela total obediência, quando impõe a vontade deles e não dão nem voz nem ouvidos a criança. Quando se colocam, por ser adultos, como superiores e exigem total submissão, e, finalmente, quando impõem o seu ambiente e exigem que a criança se adapte a ele, quando não permitem ou sufocam a ação livre e espontânea da criança, quando lhe impedem de fazer alguma coisa útil, isto é, de ocupar-se das coisas do mundo e não apenas com seus brinquedos.


A opressão que desde cedo sofremos e, portanto, que desde cedo aprendemos acontece, é verdade, revestida de amor, mas não deixa de ser o que é: uma violência que, por sua vez, reproduzimos, quando adultos, na nossa relação com os outros, relação que é conflituosa justamente porque se baseiam na lógica do opressor-oprimido ou submisso-insubmisso. Quando livramos a criança da opressão criamos a oportunidade da criança aprender sobre a paz e, quando adulto, ter relacionamentos pacíficos ao invés de conflituosos. Segundo Montessori, se a origem do conflito está na opressão também é aqui que encontramos a origem da paz, então, quando educamos a criança sem opressão, educamos para a paz.

segunda-feira, 1 de julho de 2019

Ser mãe e o servir


                                          Desenho de Juliana Ali


Em O Segundo sexo Simone de Beauvoir afirma que “a fêmea é presa da espécie” e que a fêmea abdica em prol da espécie da sua individualidade (p.41 e 43). Isso contém a ideia de que a mulher, por natureza, é um ser que está a serviço da espécie já que é parte do feminino a possibilidade de tornar-se mãe. Com o nascimento da mãe, a mulher torna-se presa da espécie porque já não pode não estar à disposição ou a serviço da prole: nutre, ocupa-se dela com iniciativa, protege, e, quando necessário, luta para defendê-la contra qualquer ameaça, e, em função disso esquece de si, ela abdica da sua individualidade. Assim sendo, a servidão própria da maternidade tem, a primeira vista, um sentido negativo e, ao que me parece, é isso o que perpassa as reflexões de Beauvoir.




Quando a mulher decide ser mãe e renuncia a si, a sua individualidade, ela se torna uma escrava do outro, do ser gerado, visto que deixa de fazer por si para fazer tudo pelo outro. É uma anulação da própria vontade, é um abrir mão de si, dos seus interesses, enfim, do próprio ser da mulher para estar à disposição do outro. No servir, o outro é o mais importante. E penso que é aqui que reside um dos maiores conflitos da maternidade contemporânea: a mãe evita abandonar a si mesma, evita assumir plenamente o cuidado da prole e a sua educação (ao menos nos primeiros anos de vida) para não se resumir a ser mãe. É em nome das necessidades de ordem econômicas, profissionais, psicológicas, sociais, físicas que a mulher contemporânea, em geral, não serve a espécie; não se dispõe a estar a serviço da prole. Se caso faz, compreende isso como sendo um sacrifício pelo filho esquecendo, no entanto, do verdadeiro significado do sacro-ofício.




O colocar-se a serviço da espécie quando é compreendido conforme o verdadeiro significado de sacrifício possui um sentido elevado. Originariamente sacrifício significa tornar sagrado o ofício, o fazer, ou seja, é ressignificar alguma coisa e, no caso da maternidade, o servir à um filho. Quando vivemos o estar a serviço do outro como sendo sagrado, a anulação da própria vontade ou o abandono de si que a servidão exige é vivido como uma oportunidade de desconstrução do próprio eu, do nosso ego que exige o tempo todo que nos coloquemos em primeiro plano. O estar inteiramente a disposição do filho torna-se, assim, um ato de doação. Ao doar-se podemos exercitar o amor em sentido elevado, isto é, que é esquecimento de si, que não pede nem espera, que não reclama. Tal amor é o amor crístico (de Cristo) de que tanto se fala mas que tão pouco colocamos em prática.


Beauvoir, Simone de. O Segundo sexo. RJ: Nova fronteira, 1980



segunda-feira, 29 de abril de 2019

Educador em construção




                                            “O educador aprenderá com a própria criança os meios e o caminho para sua  própria educação; isto é, aprenderá com a criança a aperfeiçoar-se como educador.” 
(Montessori, Pedagogia Científica)


Quem é o educador? Os pais, os cuidadores, de modo geral, os adultos. Bem antes da escola, a educação da criança acontece em casa, os primeiros educadores deveriam, portanto, ser os pais. Como mãe educadora aprendo sobre mim por meio da observação da criança. É a partir dela que aprendo, me desconstruo e me aperfeiçoo como educadora e, sobretudo, como humana. É por meio dela que se tornam claros os padrões dos comportamentos físicos e mentais e das emoções que, automaticamente, reproduzo e que acontecem na nossa relação cotidiana.



É por meio da criança que minha filha é que me volto para mim mesma e percebo que, as vezes, ajo como não gostaria de agir; me vejo reagindo não muito diferente da reação dos próprios pais. Mas, e, poderia ser diferente? Agimos tal como agiram com a gente, tal como nos ensinaram, tal como sabemos agir. A nossa maneira de agir com a criança só poderá ser diferente diante de uma desconstrução de si, dos pais que somos, do adulto que nos tornamos. É comum, por exemplo, pensarmos que a mãe é acolhedora enquanto que o pai é quem impõe os limites, quando, na verdade, cabe a ambos acolher e limitar (este pertence à esfera do racional enquanto acolher ao da sensibilidade) características do feminino e masculino que existe em cada um de nós.



Há, de fato, muitos outros exemplos em que somos os mesmos, quer dizer, reproduzimos os mesmos comportamentos, e, agimos como nossos pais. Isso ocorre, por exemplo, ao se acreditar que é necessária a violência e a autoridade para se impor limites, quando, por certo, isso é muito mais uma questão de conduzir até a autodisciplina. Na relação coma criança conservamos uma relação entre superior e inferior quando, de verdade, temos uma relação com outro humano, em um estágio de crescimento diferente do nosso. Na maior parte do tempo, não fizemos a vontade da criança ou não atendemos os seus “caprichos” porque acreditamos que podemos ser escravizados por ela (pelo amor), quando, na verdade, se trata muito mais de saber humilhar-se, o que quer dizer, de modo geral, abrir mão da nossa vontade para ver a criança tal como ela é. Quase o tempo todo acreditamos que cabe ao adulto mandar e a criança obedecer quando, na verdade, ao exigir total obediência favorecemos o encobrimento da espontaneidade da criança, etc.



A desconstrução de si necessária ao educador diz respeito a todos esses aspectos, envolve um abrir mão dos preconceitos e das convicções, dos nossos dogmas e daquilo que, geralmente, aprendemos como sendo o correto em questão de educação. A desconstrução de nós mesmos acontece quando colocamos em suspensão as nossas certezas, crenças e juízos em relação a criança e, simplesmente, observamos. Mas, a desconstrução de si envolvida na educação não acontece sem o conhecimento. Ela depende da instrução já que é o conhecimento o que nos faz ser outro, o que nos permite ir além daquilo que acreditamos e que nos foi legado como verdadeiro e, portanto, certo. Em Montessori, é fundamental a desconstrução dos comportamentos e reações inapropriados enraizados em nós para acontecer a nova educação da criança, uma educação que é revolucionária não apenas porque respeita a vida em seu desenvolvimento natural senão também pelo fato de que se preocupa com um aperfeiçoamento do humano que cada um é e, assim, conduz ao melhoramento da humanidade.

quarta-feira, 20 de março de 2019

Outonal



Sinto o cheiro verde do mato
O vento suave que balança as árvores
A leveza das folhas secas caindo
É outono, tempo de recolhimento
Como flor do ato, fecho-me
Ciente do vir a ser da florescência
 Do abrir-se de pétala por pétala
E, com o coração em flor
Poder-se-á sentir a fragrância suave
Do amor
Que carregada pelo vento
Fará carícias em teus pés,
Oh ser divino!