Zygmunt Bauman, um dos grandes
sociólogo do nosso tempo, descreve sobre a flexibilidade e a fragilidade das
relações afetivas em um livro chamado Amor Líquido. Aqui ele caracteriza o que é
o amor líquido vivido nos tempos de hoje, sinaliza o que impede e o que constrói
um amor sólido. Entretanto, para compreender sobre o amor não basta ler Bauman,
porque, na verdade, não posso aprender o amor, é preciso a experiência.
Pouco se
fala sobre o amor líquido, mas se vive. Fala-se muito mais em amor livre, diz-se
até que amor livre é um pleonasmo já que se tratando de amor, por si só, ele já
é livre. Sim é livre enquanto aquilo que sinto e dou ao outro, mas quando se
trata de uma relação de amor entre parceiros sexuais a liberdade pode ser libertinagem e uma
das faces do amor líquido. Neste caso, o amor pode ser tão livre que não apenas
lhe falta limites, prefiro dizer, contornos mas também dispensa a
responsabilidade afetiva. Sinto que, dar um contorno ao amor que doo ao outro de
forma livre e espontânea, gera segurança. A questão é: quem põe o limite? Se
vier de fora, do outro que é o parceiro da relação amorosa, pode parecer ou e
até ser uma forma de controle. O limite, então, precisa vir de dentro. Eu, o
sujeito que dá o amor, é quem dá o limite. Ele sabe e diz até onde o outro pode
ir. Isso tem a ver com os seus valores e com o quanto aprecia de si mesmo, o
quanto está disposto a se ferir ou até aceitar um certa violência sutil, em nome
do amor livre. Os limites na relação amorosa são, na verdade, vitais porque
permitem ao outro saber quem você é. Em última instância, colocar limites é um
ato de amor a si mesmo.
Quando existem os contornos na relação amorosa entre
parceiros sexuais há segurança. A segurança, por sua vez, é a base do amor
sólido, que pode acontecer tanto numa relação monogâmica quanto numa relação não monogâmica ou aberta. Sem segurança existe pouca entrega. Entregar-se ao outro
nos torna vulneráveis e só se faz isso quando a gente se sente seguro. É a
segurança no relacionamento amoroso entre parceiros sexuais que garante a
qualidade da entrega. Se a segurança é a sustentação do amor sólido, a
insegurança, por sua vez, é o que fundamenta o amor líquido.
O amor quando é
líquido evita os contornos da liberdade. Não há necessidade de explicar ou
justificar nada. Por não ser necessário dar muitas explicações sobre os
comportamentos, quereres e sentires, cria-se silêncios. O amor líquido é cheio
de pequenos silêncios, que dizem tudo e ao mesmo tempo nada. Por esse motivo, no
amor líquido há um fracasso na comunicação. É possível se relacionar com quem a
gente não conversa? Ou conversa muito pouco, mais para contar sobre coisas
alheias e quando se trata de si, da relação, silêncio... Enganosamente, pode-se
considerar o silêncio uma maneira madura de lidar com a situação, mas silenciar
te permite fugir de muita coisa, te faz criar e alimentar versões próprias sobre
os fatos. Cria-se assim insegurança, angústia, ansiedade, solidão. Nesses
termos, quando o amor termina nem é preciso uma conversa final tampouco dar
explicações, basta deixar de seguir nas redes sociais e bloquear o número no
celular.
A insegurança gerada pelo amor é como areia movediça, nela não se
consegue construir nada. Aqui se tem tudo e, ao mesmo tempo, nada. Na
insegurança, o amor é fluido. Em função disso, não se sabe se está ou não com
quem partilho a cama, nada se sabe sobre estar ainda juntos amanhã. No amor cuja
base é a insegurança não se alimenta a esperança de querer dar certo, antes o
contrário, alimenta-se o pensamento que a qualquer momento o amor da relação com
o parceiro pode acabar. Nesse tipo de relação líquida, por um lado, me desmotivo
por não saber se estou ou não com o outro e, por outro lado, com o fato de ter
de constantemente agradar o outro para que ele continue querendo estar comigo. É
uma preocupação do amor líquido querer agradar constantemente o outro que, em
tempos virtuais, gosta da novidade.
Tal como na tela, na vida real também
passa-se a amar tão somente a novidade. Quando se é movido pelo anseio do novo
sem hesitar troca-se qualidade por quantidade, ainda que, assim, não se preencha
o vazio ou o deserto existencial que vive dentro. Bauman sinaliza que no amor
que quer novidade a todo momento o desejo vai perdendo espaço pelo impulso. Pelo
impulso do querer, salto com facilidade e rapidez de afeto em afeto, aumento a
rede de contatos, aumento a velocidade, acelero e a relação amorosa sexual se
torna rasa. O amor líquido, por ser permeado de impulso, facilidade e aceleração
é inseguro. E, quem convive com a insegura sempre espera pelo fim.
Quando a
mentalidade de que a relação amorosa pode acabar a qualquer momento se sobrepõe, quase desparece a esperança de querer fazer dar certo. Afinal, se amanhã com
facilidade e sem muitas razões tudo pode acabar não há porque esperar, fazer
qualquer investimento ou sacrificar a própria vontade diante do outro, o
parceiro amoroso sexual. Na relação líquida o “eu quero” e o “eu posso” torna-se
uma necessidade. Pensa-se: tenho direito de viver as minhas experiências doa a
quem doer. E o outro que divide a cama comigo precisa entender e aceitar isso.
Não raro, um relacionamento desse tipo está fundado e uma furiosa individuação.
A máxima individuação funciona assim: apareceu a oportunidade, por que não
aproveitar? Sento impulso, porque não me experenciar. Sim a escolha que faço
pode machucar o outro mas o que importa sou eu, importa o que eu quero nesse
momento, importa o que acho que é importante pra mim viver e doa a quem doer. É
visível, no amor líquido há um egoísmo extremo, uma furiosa individuação. Não
existe neste tipo de amor o sacrifício entendido como sendo o abrir mão de algo
por amor ao outro ou para evitar causar danos ao outro. É egoísta porque não há
a preocupação de abrir mão de si, do seu querer, da experiência que se tem a
possibilidade de vivenciar. Na relação amorosa líquida cada um é um e livre para
viver as experiências que quer viver sem olhar outrem e além.

Contudo, assim
como Rupi Kaur nos mostra que há “outros jeitos de usar a boca”, e, do mesmo
modo, há outros jeitos de amar. Não é porque vivemos na modernidade líquida que
a relação afetiva amorosa precisa ser líquida. Uma relação amorosa sexual não
precisa ser líquida porque pode ser sólida. E, quando se trata de amor sólido,
Bauman nos diz o seguinte: esse amor se constrói com tempo, investimento, sacrifício (esforço) e comunicação. Para evitar mal entendidos aqui, é preciso deixar claro que investimento, não implica em um sustentar o outro. Está relacionado com tempo de qualidade e apreciação da vida juntos e isso envolve a energia do dinheiro. Do mesmo modo sacrifício não tem aqui a conotação religiosa, isto é, não deve ser entendido dentro de uma perspectiva da religião católica e sim no seu sentido originário. Sacrificium, do latim, que significa renuncia voluntária (a algo, alguém importante ou a si próprio). Isso tem o sentido de ofício sagrado, ou seja, é uma ação sagrada o esforço de abrir mão de si, da sua vontade. Parece-me que esse ato sagrado é o que garante uma relação seja amorosa ou não. Se não há um abrir mão de si em toda e qualquer relação não existe apenas um conjunto de eus desconectados?
Para finalizar quero ampliar ainda mais a compreensão moderna do amor com a constatação de que o amor sólido não exige um
relacionamento monogâmico. Pode ser construído também em um relacionamento não
monogâmico, desde que lhe seja dada a base para crescer que é a segurança. O
mais difícil, contudo, é compreender que para se ter um amor sólido é preciso
criar segurança mas sem garantia, é preciso sacrificar vontades mas sem
garantia, é preciso a esperança do querer fazer dar certo, mas sem garantias. E
a vida, afinal, no fundo também é isso: viver sem garantia!