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segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Celebrando à vida





Gosto de celebrar a vida. Comemorar o dia em que se faz anos, para mim, é festa! É o momento de comemorar um giro ao redor do sol e o início de um novo ciclo, uma oportunidade de vida que sempre, por um tempo determinado, se renova. Celebrar os aniversários é agradecer em festa a vida.
Compreendo que a vida pode ser comemorada, para além dos aniversários, em um ritual de batismo. Aqui, é a vida renovada pela própria vida o que se comemora. O rito de batismo é uma celebração da renovação, da purificação e da entrada na existência. É com uma alma leve e pura que o corpo habita esse mundo. Um corpo que se constitui de cinco elementos: éter, fogo, água, terra e ar. É a natureza presente na essência de tudo aquilo que tem vida.


Não poderíamos, nós, então, ao celebrar teu batismo deixar de levar em conta a tua essência. Escolhemos para esse ritual um templo aberto - a natureza – e nele celebramos a tua natureza. Foi com a força da terra que, de pés descalços, te abençoamos. Foi com a leveza do vento que te elevamos e abençoamos. Foi com o poder do fogo, símbolo da transmutação, abençoada. Foi na fluidez do rio que com a água fostes abençoada.


O caminho que conduzia até o templo exigiu que adentrássemos na mata e, então, pela primeira vez, não estavas apenas na sombra de um árvore acompanhado o balanço dançante das folhas, mas, encontrava-se em meio a muitas árvores que chacoalhavam seus braços e para ti dançavam. Foi no templo que, pela primeira vez, molhastes teus pés no rio, símbolo da impermanência - o fluxo da vida rumo ao oceano, ao uno. Foi ali, pela primeira vez, que sugaste o peito ao som da cachoeira que, quiça, te permitiu reviver sensações do útero sagrado. Foi ali onde, pela primeira vez, sujastes teus pés na terra e viste a dança espiral das borboletas.


No altar construído na natureza cantamos e dançamos, giramos e circulamos, com amor e alegria celebramos a iniciação da tua existência neste mundo de maya. Mas, ao mesmo tempo, a interiorização do ritual do teu batismo nos fez, nós mesmos, renascer renovados para avida que segue seu fluxo e, nós, nossa evolução espiritual, agora, abençoada pela tua presença. Somos gratos!! OM!

“Torna-te quem tu és”


“O que diz sua consciência? – torne-se aquilo que você é” (Nietzsche)
Como posso tornar-me o que já sou? O discernimento. É ele que conduz ao reconhecimento daquilo que já somos, mas buscamos por achar que nos falta. Como poderíamos deixar de ser aquilo que sempre somos? Há ilusões. As ilusões provém do mundo de fora, dos sentidos que, de fato, estão todos voltados para fora. Conhecemos o mundo pelos cinco sentidos e através deles compreendemos que existe uma separação entre nós, ou ainda, entre o eu que somos e o mundo. Há uma ilusão de separação criada pelos sentidos. Os sentidos nos enganam!

“Como alguém se torna o que é?” (Nietzsche)

Tornar-se o que se é consiste em reconhecer a nossa unidade, implica em tornar-se um com o todo, ou ainda, v(iv)er a unidade que, na verdade, nunca deixamos de ser. A fragmentação é dada pelos sentidos que operam em conjunto com a mente, mas efetivamente não existe. Se deixarmos de estar distraídos, voltados para fora ... se existirmos como Presença é possível reconhecer a nossa integridade – ser todo – ainda que fisicamente separados. Percebemos que nunca perdemos ou deixamos de estar em correspondência com o todo, contudo, isso se dá em outra esfera, no âmbito do sutil. Que há fios invisíveis que nos une a tudo estou certa porque isso possui a mesma natureza da nossa conexão, a fusão entre mãe-filha.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Delicadezas Cotidianas




Quando há uma criança em casa ...
Aprendemos sobre delicadezas
Aprendemos a importância do silêncio
e o falar em baixo tom  
Como escuta ela os ruídos que quebram o silêncio?
...
Reaprendemos a lidar com a louça
– que precisa ser lavada com o mínimo de ruído
Cuidamos quando abrimos a torneira
é preciso não deixar a água cair no balde barulhenta
...
Aprendemos a comungar do sutil 
Percebemos o mundo de outro ângulo
Daquele onde nossos pés não pisam
Da transcendência

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

“O espelho, são muitos”




O que és tu para além da pureza e perfeição da natureza? És unidade. Sim, tu não vives a díade, a dicotomia, a dualidade, a separação entre eu-outro, eu-mundo. Nada sabes acerca do bem e do mal, do bom e ruim, certo e errado, direita e esquerda, bonito e feio. Tu és una e assim tens a percepção do mundo, tu és o mundo, o teu mundo. O que expressa no choro ou na alegria é o teu ser inteiro, tua integridade, tua totalidade, tua verdade, sem fingimento, sem imagem, sem eu. Tu és unidade exatamente porque ainda não tens um eu (ego). Tu és aquilo que busco ser. Tornar-me quem tu és é a meta da jornada espiritual. O autoconhecimento que tu me permites ter é exatamente o que conduz a unidade. Ser um com o todo é a meta, o autoconhecimento o caminho.


Quando tu nasceste, o cordão que nos unia foi cortado e no mundo físico tornamo-nos duas: eu e tu, mas, no mundo sutil, nossa unidade permanece e assim será por um tempo. Tu és, sutilmente, meu espelho já que comunicas aquilo que silencio, manifestas a minha sombra, o que sinto tu sentes. Eu e tu estamos, por ora, fusionadas e nada do que se passa em mim deixa de ser expressado por ti. O meu corpo em contato com o teu lhe oferece o limite e a segurança dentro da vastidão que é o mundo para ti, já a expressão do teu corpo revela a minha alma que é composta do passado como também do presente. És tu que pelo teu olhar doce, pelo teu sorriso meigo e pelo choro faz irromper em mim as sensações do bebê que eu já fui. Sim, como meu espelho, tu me fazes sentir como se fossem minhas as tuas sensações. Ao me reconhecer em ti sou inundada por sensações agradáveis, vivencio estados de alegria e amor que, certamente, são divinos por serem sublimes.


Tu que és meu espelho, tu que és a criança que já fui, tu que comigo te comunicas (sem palavras) é quem me permite perceber o que em nosso cotidiano eu sou. É por reconhecer o que sou que posso ir além e realizar a verdadeira transformação (de mim mesma). É porque estas junto de mim que posso ir além da forma (do conteúdo) pela ação. Transcender a forma é colocar em prática o que tantas vezes já li, compreendi e contemplei na teoria. Sim, és tu que me permite observar o meu interior – perceber o que se passa dentro: o sangue ferver cada vez que teu choro casa com meu cansaço; a expansão do amor quando te olho e admiro. É, assim, contigo que a noite vem, a manhã vem, outra vez a noite ... o ciclo se repete sem parar, mas, a cada dia tenho a oportunidade de me tornar melhor, de aplicar o conhecimento aprendido outrora e, dessa maneira, evoluir. Isso só é possível porque tu crias as situações favoráveis de aperfeiçoamento de mim, de medit(A)ção, de presença, o que significa, contigo tornei-me atenta ao que se passa dentro na forma de sentimentos e pensamentos e ao que se passa fora na forma de ação no aqui e agora. A ti sou grata! OM!

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Puerpério

“Que a gente saiba florir onde a vida nos plantar”

Puerpério é o tempo de desestruturação emocional, do choro que acontece sem porquê; é tempo de permitir ao outro te servir, do encontro com a própria sombra, do reconhecimento do eu no tu, de sair do útero do pai e da mãe; é o tempo de conexão que acontece no contato constante entre o teu corpo como extensão do meu, no teu ato de buscar em meu peito o alimento, aconchego e calor; é tempo de ouvir a pequena e silenciosa que vem de dento, a intuição.

É no calor do peito da mãe que há o som do coração, o cheiro, o movimento tão familiar para quem, agora, está do lado de fora, um corpo pequeno num espaço vasto. Para amamentar e conectar-se ao filho que nasceu a mãe puérpera precisa se desapegar dos afazeres cotidianos. É o não fazer nada o que possibilita o contato e a relação amorosa, o envolvimento íntimo da mãe e do filho. O conhecimento entre um e outro depende do estar aí, na relação, inteira; depende do entregar-se e da presença o que é possível mediante o distanciamento do mundo material e da aproximação com o mundo sutil. Para imergir no mundo do desconhecido é preciso repouso e silêncio, recolhimento e introspecção, além de uma dose de solidão pois é sem o contato social que podemos nos livrar de conselhos e opiniões desnecessárias, uma vez que, cada experiência é única e intransferível.



Para que isso seja possível é, no entanto, necessário que um outro zele e cuide da mãe puérpera, é necessário que um outro à sirva. A mãe que nasce deve receber assistência, apoio e sustentação, ter companhia e a sua disposição a ajuda de outra mulher experiente que oferece seus serviços para livrá-la das obrigações relacionadas ao mundo exterior e doméstico. Em nossa sociedade moderna e urbana não existe mais a rede de apoio formada por uma comunidade de mulheres e, por isso, é comum que o apoio seja exercido por um parente, geralmente, a mãe da mãe ou mãe-avó. Ela se instala na casa da filha para oferecer apoio doméstico, afetivo e orientação para a mãe que nasce, contudo, apesar da intenção ser boa isso nem sempre é benéfico para a mulher puérpera. Um recém-nascido depende do equilíbrio emocional da mãe já que, devido a fusão mãe-bebê, ele está em contato direto com o mundo das emoções e sensações. Tal equilíbrio, no entanto, pode ser profundamente abalado coma presença da mãe-avó. Ela presencia a ruptura do complexo de édipo dada com o nascer da mãe e do pai (da família) e, ao mesmo tempo, pode ser o reflexo da sombra da própria mãe e, além disso, devido ao íntimo grau de parentesco dá conselhos, interfere na díade mãe-filho.

Na travessia do meu puerpério previ possíveis dificuldades com convivência prolongada com minha mãe, afinal, já faz muito tempo que não vivemos mais sob o mesmo teto, no entanto, não vislumbrava o conflito interior que me esperava. Frequentemente, as coisas não são aquilo que parecem e não foi diferente neste caso. Apesar das diferenças, não existia um vínculo conflituoso com minha mãe, parecia que existia uma harmonia ente nós, parecia que aceitava-a completamente no seu jeito de ser, o que, na verdade, não ficou confirmado a partir do nascimento da Surya. Sim, existia uma ilusão entre nós, a ilusão de que tudo estava bem, de que não existia conflito apesar das diferenças contrastantes assim como havia uma ilusão na imagem da maternidade perfeita: de que bebê não hora, não resmunga, de que não existe dilemas, de que só existe amor e não raiva. Não foi preciso mais do que dois meses de convivência para que as ilusões se desfizessem como fumaça. Interiormente permaneci caótica não só porque não vivenciava uma maternidade perfeita, mas, principalmente, porque minha mãe estava aí diante de mim com um comportamento irritante e, ao mesmo tempo, refletindo comportamentos e aspectos de si que eu mesma reproduzo e carrego em mim e que eram negados ou que viviam na sombra.

Sim, “todas as pessoas tem nós centrais em sua vida, histórias não resolvidas, abandonos afetivos, enganos, necessidades especiais, lugares estabelecidos na família” (p.78), e, ao desatar os nós nos tornamos cientes da sombra, podemos reconhecer um abandono afetivo, podemos ver que o outro reflete um aspecto do próprio si mesmo que já não se pode mais negar. Quando percebi que nem tudo são flores, quando não aceitava tudo tal como é, inclusive, a mim mesma como sou, então, fiquei cheia de dor, desamor e raiva que, no meu caso, não expressava tanto em palavras (porque quando acontecia sentia a obrigação de, enquanto filha, desculpar-me diante da mãe) mas muito mais em lágrimas, na maioria das vezes, contidas ... Além do incomodo de desatar os nós ainda me sentia incomodada com os palpites e interferência da mãe-avó sobre uma coisa tão íntima e individual como é o início da relação mãe-filho. O que uma mãe puérpera necessita é apenas ser cuidada como uma semente frágil que se transformará em flor. “Uma flor bela e altiva que conhece as leis da natureza e, acima de tudo, as emoções femininas” (p.89). O que ela não quer é uma mãe-avó que defenda ideias preconcebidas e dá conselhos, que, por suposta experiência, retira o filho dos braços da mãe e a deixa sozinha quando o filho chora e mãe não consegue acalmá-lo, quando a mãe tem a sensação de que não é capaz de dar conta do filho, quando a mãe apenas tem vontade de chorar. O que ela não quer é uma mãe-avó que exige justificativas diante da vontade de chorar e chorar e, assim, faz a mãe fingir estar tudo bem, o que a mãe puérpera não quer é ter necessidade de se defender e reivindicar o seu direito de ser mãe. O que se deve oferecer é o cuidado que esteja a serviço da mãe e não do filho recém-nascido.



O fato é que quando encaramos o que vivenciamos como uma jornada espiritual, toda e qualquer dificuldade torna-se possibilidades de crescimento. As dificuldades emocionais e de convivência do puerpério fizeram com que eu assumisse conscientemente a raiva que sentia em relação a quem me gerou e ao serzinho gerado. Elas possibilitaram o exercício da aceitação, principalmente, da auto-aceitação, me fizeram olhar as próprias partes escuras ou ocultas e temidas do eu que ainda sou, mas, confesso, é preciso coragem e força porque nossa primeira reação é fugir, negar e não aceitar o lado escuro que somos e que é iluminado pelo outro. Além das dificuldades tornarem possível o exercício da atenção em relação a raiva que chegava como uma tempestade que anseia devastar tudo ao redor, elas permitiram desenvolver a atenção para não adotar o padrão de comportamento da vítima, o que é muito consolador e que com facilidade nos entregamos; elas me fizeram lembrar que tudo passa e que onde há sofrimento, de alguma maneira, existe o ego. Foi de dentro das dificuldades que percebi que o nascimento da mãe e do pai exige um rompimento físico, emocional e espiritual com o próprio passado: é preciso deixar de ser parte da mãe ou do pai para nos tornar nós mesmos pai e mãe.

Quando nasce uma mãe muitas serão as vozes que virão de fora, em forma de conselhos, certamente, com a melhor das intenções, mas ninguém mais deverá guiar-nos senão ela, a voz interior - a intuição. Quando uma mulher se torna puérpera as emoções entraram em festa em seu interior, mas, o melhor mesmo é tornar-se consciente dos sentimentos que vem e vão como a raiva, por exemplo. Quando temos a percepção da raiva, do mesmo modo quando temos a percepção das artimanhas do ego que nos leva ao sofrimento, então, também nos tornamos, naquele instante, livres deles. Enquanto a mãe puérpera necessitar do cuidado de outrem, é necessária por em prática a aceitação do outro, do mundo e do que ela mesma é porque é assim que floresce o amor. Quando não negamos a sombra que somos e, sobretudo, vamos além do que o outro que nos espelha é, assim, melhoramos a nós mesmos e toda uma geração que está atrás como fundamento daquilo que reproduzimos em nosso comportamento. Enfim, quando observarmos tudo isso, com certeza, florescemos onde a vida nos plantou.



As citações são referentes ao livro "A maternidade e o encontro com a própria sombra" de Laura Gutman

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Uma carta para Surya




Há diferentes modos de se fazer a despedida da barriga. É possível reunir-se com pessoas queridas e beber um bom chá de camomila e bater uma papo sobre expectativas, inquietações, dificuldades e alegrias vividas durante a gestação. É possível que reunidas, mulheres coloquem em ação a criatividade e pintem a barriga da mãe que nascerá com o nascimento do filho. É possível realizar num círculo familiar de mulheres um chá de bênçãos que, nada mais é do que, uma celebração que acolhe, fortalece, dá apoio e carinho à gestante na reta final da sua gravidez. Para mim, a escrita sempre serviu como terapia e, por isso, para me despedir da barriga optei por escrever uma carta para ti, a filha que ainda não nasceu.

Hoje é o último dia dessa conexão íntima que mantemos desde que você passou a morar dentro de mim. Durante muito tempo permaneceu em silêncio o desejo de ser mãe, mas no caminho do despertar espiritual, no caminho do autoconhecimento, o que estava latente veio à tona. Não existia mais dúvidas, era preciso tornar-se mãe, o que foi sentido e vivenciado como um propósito de vida. É um aperfeiçoamento de si que deve ser vivenciado e experenciado doando-se ao outro, o que quer dizer, abrindo mão de si mesmo e, portanto, destruindo o ego. Toda a gestação foi vivenciada como sendo a prática dos exercícios espirituais: presença, aceitação, entrega, confiança e gratidão e, tudo isso, regado com muita alegria, dança, silêncio, lágrimas e amor.

A alegria e o amor são duas esferas que se expandiram desde o dia em que descobri que você existia dentro de mim. O primeiro a receber a notícia foi seu pai que com alegria e emoção me envolveu no calor do seu abraço e agradeceu. Apesar de você estar aí, pulsando dentro de mim demoramos um tempo para assimilar (incorporar) o fato de que, daquele agora em diante seriamos pai e mãe. Você nos tocou profunda e indescritivelmente quando, pela primeira vez, ouvimos a batida do teu coração. Por um instante, o mundo parou e rompendo o silêncio estava aí a manifestação do som primordial; em meu ventre sagrado pulsava a vibração da vida, acelerado como é todo o movimento que dá origem ao que é vivo. Você, vida pulsante, me permitiu ser a manifestação da energia criativa, a deusa-mãe.

 
Com a tua presença senti meu corpo como um templo em que dava forma ao seu corpo; meu corpo tornou-se o guardião do espírito que você é. Amorosa e pacientemente acompanhei o passar dos dias, sentia e percebia o crescimento da barriga que ficou lindamente cheia, como a lua. Ah!! Quantos elogios!! Quantos olhares despertados, quantos sorrisos e benção dedicados a ti. Você me escolheu para ser sua guardiã e me deixou linda! Você cresceu rodeada de alegria, amor, serenidade, paz e gratidão. Durante toda a sua gestação você me permitiu fazer tudo o que nos fazia bem: dançar, meditar, viajar, praticar yoga, fazer trilhas, tomar banho de mar e de cachoeira. Seu pai nunca deixou de estar presente, de participar e compartilhar desses momentos alegres, de amor e gratidão por você estar entre nós. Ele nos chamava de “minhas gurias”, ele cantou, conversou e brincou com você – a acopladinha.

Tudo foi tão perfeito, saudável e natural que, certamente, não poderíamos planejar de outra maneira o começo, como diz seu pai - da sua jornada solo no mundo fenomênico – senão através de um parto natural. A princípio desejava que seu nascimento acontecesse no calor e aconchego da nossa casa, mas isso logo se apresentou como inviável. Apesar de existir um grupo de apoio que viria até nossa casa era necessário o apoio médico, o que não obtive. Então, nos adaptando ao contexto e situação espaço-temporal do momento, planejamos sua vinda natural no ambiente hospitalar. Ali, apesar da impessoalidade e da frieza você ainda assim poderia vir em seu ritmo e tempo natural. Eu esperaria pelos teus sinais, permaneceria em casa o máximo de tempo possível antes de ir até o quarto do hospital. A princípio, receberia o apoio de uma doula, mas, mais tarde, optamos pelo acompanhamento de uma enfermeira obstetra já que assim seria possível ver-te chegar sem estar em uma sala cirúrgica e com liberdade para parir tal como uma mulher selvagem. Entre ondas de parto (contrações), ocitocina e entregue a ti meu corpo se expandiria para te dar passagem e para te ver chegar em meus braços. Queria te sentir deslizando para fora de mim; queria ter a oportunidade de transformar a dor em prazer, de superar o medo da vida e da morte; queria a oportunidade de, como você, renascer para a vida; queria te sentir em contato direto sobre meu corpo, queria te permitir estar conectada a mim até que o cordão que nos unia deixasse de pulsar, queria ver o nascimento da placenta - a árvore da vida da qual você recebeu conforto, aconchego, calor, proteção; queria oferecer-te alimento paciente e prazerosamente enquanto admirasse o milagre da vida e a beleza que, sem dúvida, tu terás ... Como vês, filha, o respeito pela vida e pelo fluir natural estava cheio de querer, apesar de saber que pertence ao parir muita entrega o que implica abdicar do controle.

A verdade é que nada do que planejamos, agora, é possível. Tu vens, mas ainda não manifesta teus sinais. O tempo esgotou-se. Completam-se 42 semanas de gestação e não é possível esperar que você chegue ao mundo em teu tempo e ritmo. Peço-te desculpas, mas me sinto desamparada e sozinha para lutar por isso. Ninguém a não ser eu mesma está disposto a esperar. Quem assiste ao desfecho do teu nascimento poderia me dizer que me falta aceitação das coisas tal como elas são, ainda poderia me acusar de estar colocando a tua vida em risco por insistir eu tudo aconteça segundo o meu querer. Teu pai está impaciente e ansioso, não suporta mais a espera, quer te ter nos braços e ver teu rosto. Não consegue compreender que o que profundamente desejo é te respeitar e respeitar o fluxo natural da vida. Sei que quando estiveres pronta, quando estiveres plenamente capaz de inspirar e exalar o prana – o sopro da vida – comunicarias tua mãe e teu nascimento aconteceria, mas não há mais tempo.

 Por último, gostaria de te dizer que, daqui a poucas horas, tu nascerás em segurança, mas artificialmente. Não te sentirei chegando ao mundo. Tudo acontecerá rápido, sem qualquer dor ou prazer. Quem primeiramente te tocará serão as mãos da impessoalidade, ainda que humanas. O ambiente estará frio e não poderás encontrar calor em meu corpo porque não permitirão nosso contato pele a pele, nossa conexão será rompida abruptamente e o que foi tua proteção não nasce, mas morre. Não poderei vê-la tampouco despedir-me da árvore da vida que te alimentou. Não poderei te alimentar imediatamente nem estarás próximo do meu coração para sentir a explosão do amor e da alegria que terei ao ouvir o teu choro e te ver ... É assim que tu nascerás no final da tarde de um lindo dia de outono e noite de lua nova. Te espero e recebo entre lágrimas e amor, alegria e desespero, mas com a certeza de que há uma razão para que tudo seja assim tal como é e, certamente, teremos a oportunidade de compreender o porquê juntas. Então, vem, attraversiamo!!
 
 

terça-feira, 16 de maio de 2017

Lua de Wesak


Autoria da foto @karollinapaiva e Brian
 
 
Ao parir respeitando o ritmo natural
Nos conectamos mais intimamente com a lua
Quando a lua vira a criança chega ...
Sob esta lua cheia Surya não veio ao mundo
Mas
Na força desta lua houve o nascimento de uma verdade
Que veio através dos olhos:
A essência da vida é o imprevisível na previsibilidade
É mistério e encantamento
A vida em si é una,
cada experiência vivenciada é única e intransferível
Mas o ego nega isso
Insiste em comparar
Deseja o controle e o previsível
Deseja o reconhecimento de que é alguém
É desejo constante de que algo de especial e extraordinário
aconteça
É preciso coragem para desprender-se do que não nos serve
E aceitar o que é tal como é
Eis a verdade que a lua cheia revelou!


terça-feira, 2 de maio de 2017

Fé na força do silêncio




 
 


Sento. Fecho meus olhos.
Interiorizo-me
Percebo o fluxo do prana
O ir e vir constante, natural
Rodopiam os pensamentos
Observo, não absorvo
Deixo-os
ser o que são: impermanentes
 
...

E de súbito,
Não mais que de repente
O vazio
O silencio interior
E todo ruído torna-se
uma alteração do silêncio que sou
O exterior é pequenez
Não perturba
Está aí, simplesmente

...


Do vazio silencioso
Surge a força da vida
Que não conhece limites
Que quer sair, expandir-se
Que conecta com a terra

...

Ancorada na força da terra
Sinto
O poder da Grande Mãe
Que se manifesta através de mim
Através de você
Que é expressão da abundância
Da vida

 





 
  

 

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Parto





Parir é realizar a travessia
no rio da existência
Vem, attraversiamo ...
juntas chegaremos a outra margem
eu para o renascimento diante da vida
você para sua jornada solo no mundo fenomênico
Vem, a passagem é nossa
 juntas, vamos além do medo e da dor
Vem, te sinto e recebo,
acessando a força interior
manifesta na participação consciente:
presença e entrega
Vem, traga-me a reminiscência
de que a existência  vai além do que os olhos veem
Conecta-me com o sagrado feminino que sou
Oportuniza-me a superação das sombras
no gesto de lhe dar à luz
Vem
Ensina-me a comunhão do amor
A prática do “sacro ofício”,
no servir à vida,
Expandindo-me
no cotidiano iluminado com tua luz.

quinta-feira, 30 de março de 2017

Parto Humanizado?!


 
Em tempos em que temos que lutar pelo óbvio não é incomum a sensação de fracasso, principalmente, quando o esforço é para se impor contra um sistema estruturado e organizado como é o da medicina e, mais precisamente, em torno da questão do vir ao mundo, do nascer. Quando fizemos a escolha por um parto humanizado podemos fracassar ao defender que o fruto do nosso ventre chegue ao mundo de maneira natural e sem intervenção artificial, podemos fracassar porque não conseguimos fazer com que sejam ouvidos nossos anseios de gestoras, podemos fracassar quando não conseguimos garantir que o nosso corpo será respeitado, quando não conseguimos garantir que nosso plano de parto seja respeitado e sequer considerado pelo profissional que, supostamente, é capacitado para dizer o que é melhor a cada uma de nós parturientes e provedoras. Além disso, temos a sensação de fracasso quando não conseguimos seguir o que prega o discurso hegemônico acerca do parto humanizado. Nestes tempos há sempre muitas vozes orientado o que deve ou não ser feito, o que pode e o que não pode, o que é certo e o que é errado.
Diante disso, primeiramente pensamos: somos vítimas, não há como fugir ou, o contrário, sou refém, mas vou me impor para que seja respeitado o que considero como certo. Por um lado, a resignação, por outro lado, a luta (o conflito). O fato é que temos a sensação de fracasso sempre que a nossa vontade não é cumprida, ou ainda, quando as coisas não acontecem tal como queremos que aconteçam e, a primeira vista, não conseguimos entender o que está acontecendo. A princípio acreditamos que não fizemos a coisa certa, da forma correta, pensamos que certas habilidades são necessárias e que as nossas não são boas o bastante, e, se seguimos por esse caminho continuamos encontrando explicações para este e para outros fracassos que já foram ou ainda virão, mas, no fundo, por essa via, nunca compreenderemos os reais motivos do que chamamos de fracasso. A compreensão verdadeira acontece somente quando deixamos de olhar para fora e passamos a olhar para dentro, para aquilo que sentimos no íntimo e não para aquilo que os outros nos dizem.
O fracasso pertence ao mundo das escolhas. Escolho por um parto humanizado, mas quando as coisas não correm conforme o esperado pensamos: fracassei. Não escolher, por outro lado, implica em simplesmente ficar sentado esperando que outro decida por nós. Há, no entanto, sutilezas que residem entre o ato de escolher e poder fracassar e o não escolher. Considero essencial realizar escolhas, mas fracassar é opcional. Só temos a sensação de fracasso quando não aceitamos o que acontece, como resultado da nossa escolha, tal como é. Quando aceito que a escolha por um parto humanizado não tem o resultado esperado, ou seja, não se realiza tal como gostaria que se realizasse, então, não tenho a sensação do fracasso. A aceitação das coisas tal como elas são é, na verdade, o segredo. Isso, certamente, é difícil pois nossa tendência, ao escolher, é querer ter tudo sob controle, quando, de fato, muito pouco do que acontece na vida está verdadeiramente sob nosso controle.
Quando deixamos as situações ser tal como são, quando deixamos as coisas acontecerem, quando aceitamos que tudo o que nos acontece é o que deve acontecer porque é necessário que assim seja, então, relaxamos, deixamos de sofrer, simplesmente, fluímos com a vida. Fizemos nossa parte, mas, o resto, isto é, o resultado da nossas escolhas já não dependem de nós. Há uma força que pertence ao fluir da vida que faz com que o esperado aconteça ou não. É preciso, além da sabedoria da aceitação, ter confiança. Sim, a confiança é necessária até mesmo diante do nascimento de um novo ser no mundo. O fracasso, portanto, só existe quando não há aceitação nem confiança. Se confiamos não podemos dizer que fracassamos pelo fato dos acontecimentos não seguirem o rumo esperado e desejado, se confiamos sabemos que fizemos a nossa parte e o resto independe de nós, da nossa vontade. Na verdade, “tanto inverno quanto o verão são necessários para o nosso crescimento” o que nos resta é ser grato por aquilo que nos é dado em cada momento da vida. Que cada momento da vida torne-se um momento de gratidão!

Om Namah Shivaya!

 

domingo, 12 de março de 2017

Maternidade Consciente




 

A maternidade nos faz adentrar no mundo dos diferentes tons de rosa, lilás, salmão verde, azul .... nos faz retornar ao mundo infantil, da imaginação e do encantamento. É a oportunidade de reavivar vivencias da infância, de reviver com clareza as sensações infantis que experenciamos. Ela nos faz pensar que uma educação verdadeira é aquela que permite que a vida que geramos se desenvolva em toda as suas potencialidades. Ela nos mostra que educar, enquanto um ato de amor, é criar a oportunidade para que os dons e talentos do ser que geramos se manifestem e se coloquem a serviço do bem, da construção de um mundo melhor.  A maternidade desenvolve a sensibilidade e a paciência que nos torna capazes de, simplesmente, acompanhar o desenvolvimento do ser único e diferenciado que geramos e a realização do seu propósito aqui no espaço ao qual pertence e que foi colocado. Olhar, acompanhar, guiar, oferecer condições de realização são atitudes que exigem tempo, introspecção e silêncio.

Entrar no mundo da maternidade é ter a oportunidade de despertar o amor em forma de doação.  Doar-se ao outro, servir ao outro, significa, ao mesmo tempo, abrir mão de si mesma, agir por desinteresse, amar sem esperar nada em troca. A maternidade, que corresponde ao dar à luz, nos oferece a possibilidade de acessar nossas sombras que se manifestam no ser vivo com que estamos em fusão. É a oportunidade de nos conhecer a nós mesmas, de ser verdadeiras com nós mesmas, de crescer espiritualmente. Nela há a oportunidade do encontro com o arquétipo materno que cada mulher carrega em si, da reconexão com a energia feminina que pertence a um inconsciente coletivo feminino. Ela é a oportunidade de tomar consciência do próprio corpo, de sentir o nosso corpo abrir-se como as pétalas de uma flor para que a vida que vibrava dentro passe a pulsar do lado de fora.

A maternidade pode nos fazer repensar a forma como chegamos ao mundo. Ela nos faz querer que a vida que pulsa em nós floresça em seu ritmo natural, por meio de um parto natural, com mais prazer do que dor. Ela nos faz compreender que o parto pode ser um rito de passagem que nos permite transcender o mundo das formas (mundo material) e nos conduz até um mundo sutil, ali onde reside a vida que se conecta conosco. Ela nos revela o parto como um rito que nos permite acessar um outro estado de consciência, onde se perde a noção de espaço e tempo, um rito que nos faz renascer como mulher, que nos permite superar o medo da vida e da morte.

A maternidade despedaça a vida tal como ela é, sim, e desintegra nossa alma. Com os nossos pedaços emocionais esparramados por aí temos a tarefa da reconstrução de si, e, por isso, temos na maternidade a oportunidade de nos despedirmos da mulher-menina que vive em nós para nos tornar a mulher-terra, a mulher-pássaro. Somente a mulher-pássaro tem a capacidade da reconstrução, pois somente ela é capaz de transitar entre os dois mundos, o mundo físico (concreto) e o mundo sutil. Somente ela tem a capacidade de sobrevoar e lidar com as situações cotidianas e, ao mesmo tempo, voar em direção ao interior de sua alma. A maternidade ainda oportuniza a cada mulher a conexão com sua força interior, a conexão com sua natureza selvagem Não se trata, no entanto, do selvagem no sentido de descontrole, mas no sentido de conectar-se com os aspectos naturais e animais, tais como e o parto e a amamentação, o que nos fornece o conhecimento, a intuição e inspiração.

A maternidade nos dá a oportunidade do empoderamento de si. Nela temos a chance de tomar o poder e a responsabilidade da criação em nossas mãos, temos a oportunidade de nos tornar protagonistas e decidir sobre nosso corpo, o parto e todo o ciclo materno; podemos decidir ouvir a nossa intuição para tomar decisões e conseguir ser uma boa mãe, podemos crescer e evoluir por si. A maternidade ainda nos dá a oportunidade da sororidade, afinal, nos oferece a possibilidade de compartilhar nossas incertezas e emoções e não sofrer julgamentos, de nos amparar em outras mulheres sábias e experientes dispostas a guiar e cuidar de si num caminho de desconstrução-construção de si mesma. É o apoio afetuoso que permite explorar a abertura da nossa sombra, ele faz com que não nos assustemos com nossas partes ocultas, nos dá a confiança e força para navegar em nossa própria sombra e enfrentar as dificuldades que diferem apenas na aparência. Com a maternidade podemos encontrar uma rede de apoio, de compreensão e solidariedade que, por sua vez, nos faz sentir que, definitivamente, todas somos uma.

Por fim, a maternidade oportuniza a reminiscência de que há algo além do que nosso olhos veem, há uma força interior que reside em cada uma de nós, há um “eu sou” que deve ser encontrado. Nesse sentido, adentrar no mundo da maternidade pode ser iniciar uma jornada espiritual que nos conduz ao conhecimento de si, ao encontro de si mesma, a descoberta do “eu sou”. Isso é assim porque na maternidade vivenciamos a possibilidade de recordar da nossa conexão com a terra, (nós somos a terra, o alimento e os ciclos vitais), ela oportuniza repensar e feminilizar a sexualidade, o que quer dizer, reinventar a sexualidade, encontrar novas maneiras de se relacionar amorosamente, conectar-se com a parte feminina da essência que pertence a ambos, homem e mulher. A maternidade nos permite encarar nossas emoções, nos curar de nós mesmos e de um passado que carregamos dentro. E, nesse caminho, podemos manifestar o amor em sua forma pura, elevada, incondicional. É nesse caminho que as potencialidades escondidas em nosso âmago podem se revelar e a criatividade fluir. A aparição dos filhos, na verdade, rima com crescimento.

Para finalizar, é preciso lembrar que há uma imensidão de possibilidades que a maternidade nos oferece, porém, elas são dadas na medida em que vivemos uma maternidade consciente, caso contrário, ela pode, sim, fazer com que mulheres tornem-se, definitivamente, ainda mais distanciadas e perdidas de si mesmas, da sua verdade e do seu ser na medida em que atendem a um chamado interior, mas, simplesmente, cumprem um papel social que lhes é exigido: ser mãe.

sábado, 28 de janeiro de 2017

OM

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Luciano Palm

Olhe...
Veja.
Além dos olhos.
Além do corpo.
Além do ego.
Preste atenção!
Aqui, Agora e Presente.
Observe:
Tudo se move no Todo.
O eterno retorno do Mesmo,
em Suas infinitas expressões e manifestações.
Atenção!
Respire.
Observe e Respire.
Não pire.
Está tudo certo.
Não há nada a ansiar ou temer.
Nenhuma aversão ou desejo deve encobrir o celeste azul do céu da Consciência.
Todos estão dando o seu melhor,
Sempre.
Seja o seu melhor,
Agora.
Não há nada a esperar,
o antes e o depois não passam de vagas memórias e projeções.
Presente,
Esteja Presente, 
Seja Presença!
Esteja Presente no seu presente.
E fique em Paz
_/\_!