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sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Da porta de casa para dentro

 


    Diante da ameaça à vida, da necessidade de isolamento, da reconfiguração da vida social, do modo de trabalho, da rotina ... como você tem se sentido?
    A pandemia que compartilhamos tem proporcionado aqui em casa uma aproximação de mim comigo mesma e gerado algumas reflexões. Um questão que tem pulsado em mim é o quanto eu, como mãe e mulher, interfiro no estado de ânimo ou de humor da criança que vive comigo quase o tempo todo.
    Nós como mulheres somos cíclicas. Se estivermos atentas a nós mesmas notaremos que durante um mês ou um ciclo menstrual há dias que estamos alegres, leves, dispostas, pacientes, criativas mas também há outros em que estamos mais introvertidas, irritadas, tristes, impacientes, cansadas. Todos os meses isso se repete e acontece junto com as fases da lua. É por isso que, como a lua, somos cíclicas.
    Se estivermos ainda mais atentas perceberemos que em um único dia já acontecem variações ou mudanças em nosso estado de ânimo. Tem dias que acordamos bem e depois oscilamos, então, percebemos em nós a irritação ou tristeza ou o desespero. O contrário também é verdadeiro: tem dias que acordamos sem querer acordar e com o passar das horas nosso estado ou modo de estar no mundo muda. Essas oscilações de humor evidenciam que os ciclos acontecem não só mensalmente mas também um âmbito menor, em nosso dia a dia.

    A partir dos nossos estados de ânimo compreendemos, nos relacionamos e agimos no mundo. Ou seja, toda nossa compreensão, ação e relação está sempre sintonizada com o humor. Quando falamos que uma criança precisa de um bom ambiente para se desenvolver bem não nos referimos só ao ambiente físico senão também ao dos estados de ânimo. O isolamento social, o medo da morte, a perda de pessoas próximas, a quebra da rotina de trabalho, enfim, a mudança em nossas vidas provocadas pela pandemia podem provocar em nós estados de humor predominantemente "negativos" e isso interfere diretamente em nosso comportamento com a criança.
    Em casa, somos mães e mulheres que podem estar bastante cansadas e estressadas porque acreditamos que devemos dar conta de tudo, porque assumimos a responsabilidade por quase tudo; podemos estar esgotadas física e mentalmente pela sobrecarga que temos, pelas cobranças e que sofremos de nós em relação a nós mesmas e dos outros, e tudo isso pode produzir humores ou emoções intensas que não apenas interferem na nossa relação com a criança mas, sobretudo, influência o comportamento reativo dela.
    Observar uma criança é importante para compreendê-la e saber como agir com ela, mas, ainda mais fundamental, é observar a si mesma, o que se passa em nós, que tipo de estado de ânimo estamos vibrando com maior frequência porque é do estado emocional da mãe que depende o equilíbrio de todo o resto da casa.
    Se a situação existencial vivida por você faz com que vibre mais estados de ânimo “negativos”, lembre-se, que identificar, aceitar e acolher o que se passa dentro de ti, dentro da sua casa é sempre um bom caminho para encontrar mais equilíbrio e paz em sua vida.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Solitude Materna


Aquar(L)ela! - @casadosol
A lua que estava fora, no céu, minguava. A lua que está dentro, de mim, era igualmente minguante. Na lua minguante a seiva das plantas (e do que é vivo) desce. É hora de plantar tudo aquilo que dá (cresce) em baixo da terra. É, aqui, na terra que se encontra a energia criativa, a potência da vida. Na lua minguante a seiva da vida desce em mim, sangro. É tempo de introspecção, de silêncio que, às vezes, é cortado pelo grito e choro da criança (o que pode irritar e exigir a paciência que nesses tempos é menor). É tempo de solidão. É daqui que escrevo, agora, sobre a solidão materna. A solidão que está no cuidar do outro e a solidão no sentido de estar a sós com nós mesmas. Enquanto a solidão no cuidado da criança pode desassossegar, o estar a sós com nós mesmas pode ser profundo.

Há um provérbio que diz que “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. Se isso é verdade, então, é gigante a responsabilidade que temos quando estamos solo na criação e educação da criança. É preciso uma aldeia inteira para partilhar dos cuidados com a criança, mas na solidão é preciso dar conta de tudo: atender as suas necessidades, respeitar seus ritmos e tempo, ter empatia diante da sua imaturidade emocional, permitir que seu desenvolvimento seja o mais natural possível. Na solidão somos responsáveis pela ordem e equilíbrio do ambiente, pela alimentação equilibrada, pelo tempo de qualidade, pelo limite de tempo de exposição às telas, pela alfabetização, pelos dentes escovados, pela quantidade adequada de sono ... Enfim, sozinhas, somos responsáveis pela criança, pela casa, pela economia doméstica, pela educação, por nós mesmas, afinal não podemos esquecer que além de mãe há outros lados, outras dimensões (emocional, mental, amor próprio) que precisam ser cuidadas e cultivadas. São tantas as exigências que, na verdade, não é nada estranho se vivemos, na maternidade solo, desassossegos, inquietação e cansaço tanto físico quanto metal.

Mas, a solidão materna, também tem outro lado. Nela podemos entrar em contato mais intimamente com nós mesmas, com aquilo que somos, com nossos ciclos, com nossas escolhas, enfim, com a nossa existência no mundo (com a vida que vivemos). A solidão nos dá a oportunidade do reencontro de nós com nós mesmas, com isso quero dizer, com os nossos talentos (dons), com as nossas capacidades e com o medo. Quando vivemos a solidão materna podemos nos conhecer mais e melhor e assim crescer. Crescer, no entanto, não é buscar a perfeição. Na solidão não precisamos buscar ser a mãe perfeita, mas somente reconhecer nossas imperfeições e assumi-las (aceitá-las) ao educar a criança. Essa é a solidão materna profunda: aquela que nos faz olhar para si, conhecer-se, e, finalmente, crescer (expandir-se) como humana, mãe, educadora, mulher, sagrada.

      O fato curioso é que a solidão materna seja como cuidado tanto quanto em seu sentido mais profundo acontece quando, de fato, estamos sozinhas e, igualmente, quando nos encontramos em meio aos outros. Ou seja, mesmo vivendo com outra pessoa podemos nos sentir sozinhas no cuidado com a criança (filho) e, do mesmo modo, mesmo convivendo com outras pessoas podemos nos sentir sozinhas e entregues a nós mesmas. Portanto, a solidão que se sente dentro não necessariamente acontece do lado de fora pois mesmo rodeado pelos outros podemos nos sentir sós. O decisivo é encontrar a paz na solidão seja ela de que tipo for e isso faz a toda diferença. Na solidão nós descobrimos nossa força e compreendemos que nos bastamos a nós mesmas. Se vivemos bem e em paz a solidão, então, certamente, estamos protos para construir uma relação mais intima, autêntica e profunda com quem está do lado de fora. 

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Onde buscamos chegar, a criança já está!


Quem não quer encontrar o equilíbrio? A paz nas relações,? A felicidade? A unidade: mãos-mente-coração? Nós, enquanto adultos, vivemos a separação entre sentir, pensar e fazer. Quantas vezes pensamos algo e fizemos outra coisa? Quantas e tantas vezes damos ouvidos ao pensamento e não aos sentimentos? A separação dessas três dimensões nos faz vivenciar um enorme desequilíbrio: não temos paz nem tranquilidade, não vivemos o aqui e agora. Apesar de não viver a unidade sentir-pensar-agir, sempre buscamos chegar até aqui, e, isso acontece quando nos sentimos inteiros completos e felizes, por exemplo, dançando, ouvindo música, praticando yôga ou uma atividade artística. Aqui onde buscamos chegar, a criança já está! Se permitimos o desenvolvimento natural e em liberdade da criança, o seu trabalho (atividade em que ela constrói a si mesma) e a sua concentração (estado de atenção e/ou silêncio introspectivo) teremos uma criança sendo aquilo que natural e espontaneamente ela já é: alegre, tranquila, amorosa, generosa, gentil, pacífica, equilibrada.

A criança pequena vive, inicialmente, no presente, no aqui e agora, ou seja, é presença. Tanto é assim que ela não sabe esperar, mas, com o passar dos anos ela perde a capacidade de concentração, em outras palavras, deixa de estar no aqui e agora, deixa de estar atenta,  deixa de viver a unidade entre agir-sentir-pensar. A perda da concentração, ou ainda, o deixar de ser presença é algo que inevitavelmente acontece porque afinal de contas vivemos em um mundo e como ser-no-mundo incorporamos a noção de presente, passado e futuro.

Aqui em casa, por volta dos três anos, percebemos que nossa criança começou a desenvolver a capacidade de saber esperar, de lembrar de detalhes do seu passado e de entender sobre o futuro quando, por exemplo pergunta: quando é sexta? Isso revela que a criança que, de início, vivia o aqui e agora, sem apego ao passado e sem preocupação com o futuro, aos poucos deixa de ser presença; deixa de estar inteira e completa em cada situação, deixa de viver atenta e absorvida pelas coisas de que se ocupa. Há uma ruptura, uma separação que acontece porque além da incorporação da noção de tempo, a criança, segundo Montessori, deixa de ter liberdade de poder fazer aquilo que é importante para ela, para a sua construção interior. Ela deve se adaptar ao mundo do adulto, fazer aquilo que elE acha ser o melhor para ela e não tem a oportunidade de trabalhar para construir a sua vida interior.

Quando seguimos o caminho de educar com Montessori, organizamos  ambiente e, igualmente, nos comprometemos com a nossa autoeducação para dar à criança a oportunidade da concentração. Isso quer dizer, "deixamos a criança ficar em paz", ou ainda, deixamos ela trabalhar com aquilo que lhe interessa, por tanto tempo e quantas vezes ela quiser, e, em silêncio. E, no silêncio atento, ela vai construindo a si mesma, vai trabalhando fora com as mãos e construindo o seu eu por dentro. É por isso que "a concentração não é pouca coisa. Não é uma habilidade que uns tem e outros não (...) a concentração é o ser humano entrando em contato consigo, é a experiência mais profunda que a criança pode viver, e é uma experiência que transforma a maneira como a criança vive a vida e a ajuda a alcançar um belíssimo equilíbrio interior" (Gabriel Salomão, no texto: O milagre da concentração)



Imagem retirada do site: despertarcoletivo.com

E a concentração, não faz o mesmo com o adulto-educador? A concentração enquanto atenção (estar atento) , ou ainda, enquanto presença (estar no aqui e agora) não é outra coisa senão meditação. Meditar, de modo geral e bastante simples, pode ser compreendido como sendo a busca pelo silêncio interior que acontece quando conseguimos estar no aqui e agora, sentados de maneira confortável e relaxada em um espaço ou em casa ou na natureza. O silêncio é uma conquista positiva que obtemos por meio da disciplina de sentar regularmente e por um tempo a sós com nós mesmos. Meditar, que no início pode ser um exercício bastante desafiador, nos eleva a um grau superior, um grau ainda desconhecido para a maioria dos novos educadores, isso porque, meditando nos retiramos da nossa existência ordinária, quer dizer, nos distanciamos ou desconectamos da nossa vida comum e voltamos para dentro, entramos em contato com aquilo que somos: nossas crenças limitantes, padrões de pensamento, sentimentos, enfim, é um contato íntimo com nós mesmos. 

Certamente, quando buscamos encontrar o silêncio interior educamos, tanto a criança quanto a nós mesmos, a partir de uma perspectiva de maior clareza, compreensão, paciência, calma, humildade e amorosidade. A meditação nos permite ser mais presença (estar inteiro e presente) diante da criança e no mundo; nos convida aceitar as coisas tal como elas são, o que, efetivamente, é uma lição bem proveitosa quando se está diante dos desafios de educar a nova criança. Quando descobrimos essa capacidade de aceitação deixamos de “perder a paciência” porque o que está fora não mais nos perturba, deixamos de reagir de maneira raivosa porque não vemos o que acontece como confronto mas oportunidade de crescimento e de conquista como, por exemplo, do autocontrole, da paz interior, de tranquilidade. É a partir daqui, de um estado elevado, que deveria partir a prática da educação da nova criança, a educação que promove a paz e que poderá salvar a humanidade.




 

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Mãe cíclica

O que fazes tu, em tempos de quarentena? Certamente, nestes tempos, mães estão sobrecarregadas e, por isso, distantes de si. É preciso dividir o tempo entre filhos, casa, marido, estudo, home office ... mas não há tempo para si: não há pausa, não há silêncio, não há recolhimento. Em isolamento social e vivendo uma mistura de angústia, estresse, culpa, impaciência, medo, e, cobranças, cansaço físico, exaustão emocional ... a mãe pode enfrentar uma crise de identidade como aquela descrita por Natália Ahn: “No silêncio do terceiro mês do meu isolamento devido a uma pandemia, me deparo com uma crise: Quem sou eu? A mãe? A estudante? A esposa? A mulher/indivíduo? Quem sou eu? Não consigo me identificar nesse momento, não consigo dizer quem sou.” 
        Quando li o texto, lá na “Revista Mães que Escrevem”, imediatamente, surgiu em mim a resposta diante da pergunta principal: quem sou eu? O que ficou evidente para mim é que o ser mulher perpassa todos os outros papéis que desempenhamos em nosso dia a dia dentro e fora de casa, então, uma resposta à pergunta é: sou cíclica. Tudo o que existe tem seus ciclos e não é diferente conosco. É urgente olhar para si, reconhecer e compreender os nossos ciclos mensais para a partir disso agir no mundo, dentro de casa, e com o outro (filhos e/ou marido). Penso que conhecer os nossos ciclos lunares e respeitar a energia de cada fase é imprescindível senão seremos mães caducas educando, trabalhando e construindo um mundo caduco. Penso que conhecer a energia envolvida em cada fase nos fortalece para desempenhar os outros papéis mesmo em meio a uma pandemia e diante da falta de uma rede de apoio.

Aqui em casa, sou mãe solo, busco equilibrar e respeitar ao máximo o que se passa em mim. Existem aqueles dias em que tudo é fácil, o ânimo está leve e alegre, o sono é pouco, são dias de criatividade e aproveito para produzir mais, trabalhar mais, enfim, fazer mais. Isso, no entanto, não quer dizer que tudo acontece conforme a minha vontade já que existe uma criança de 3 anos que tem suas necessidades para serem atendidas e respeitadas. Há aqueles dias em que a criatividade diminui e há uma força de ação, de execução do planejado e pensado, e, em seguida, vem os dias de reflexão, desordem interior. Esses são os dias em que faço o que precisa ser feito, mas sem gastar energia, busco recarregar as forças, por exemplo, mexendo na terra (ainda que em vasos), cuido com mais atenção da casa e procurando incluir a criança no fazer. E chegam os dias em que o simples ato de respirar cansa e porque estamos com pouca energia logo nos irritamos com aquilo que cobra mais do que podemos oferecer. Em seguida, sangramos, e são os dias em que nos pedem mais recolhimento, aquietamento, introspecção, silêncio, o que, certamente, e difícil para uma mãe respeitar, afinal, são tantas as demandas! É difícil, mas essencial!
        A mãe que estiver atenta e conectada com seus ciclos mensais e lunares perceberá em si que em determinados períodos tem a necessidade do recolhimento e do silêncio, isto é, naturalmente ela é convidada para a meditação. Mesmo que a mãe não consiga praticar a meditação regularmente, se puder, ao menos, respeitar e atender ao chamado natural para a introspecção e o silêncio, então, não apenas armazenará energia (para o próximo ciclo) senão também tornar-se-á uma mãe, esposa, profissional, estudante, enfim, uma mulher mais pacífica, amorosa, paciente, alegre e equilibrada. Mas, ressalto, é preciso que ao menos, nesse momento do seu ciclo, a mulher olhe para si e atenda ao chamado do seu corpo. E, sabem qual é o maior aprendizado de uma mulher? Rupi Kaur disse: "é que desde o primeiro dia/ ela já tem tudo o que precisa em si mesma/ mas o mundo a convenceu de que não tinha".




segunda-feira, 11 de maio de 2020

A criança fora de casa





Fora de casa, 2 meses e 20 dias, fora de órbita, fora de ordem, tanto eu quanto você. Te olho e em tão pouco tempo você cresceu tanto. Deixou do peito, deixou de comer a comida preparada pelas minhas mãos, teve uma convivência diária com outra criança, dividiu a mesma casa com prima, vó, tia, mãe, visitas ... e vive a distância de teu pai. Estes são tempos de mudança, estamos em trânsito entre uma cidade e outra, entre um estado e outro e nossa criança está fora de casa. É nesse contexto que percebo que o conhecimento nos possibilita a empatia e compreendo porque a paciência é uma grande virtude para Montessori.

Não posso me colocar no lugar do outro se não compreendo o outro. É porque compreendo as necessidades da criança, é porque sei do que ela precisa e igualmente do que lhe falta que me torno mais empática com a criança que nossa filha é. Sei que ela está no auge do período sensível da ordem e, de repente, o que lhe ofereço é a desordem. Está fora de ordem o ambiente, as coisas dele e a possibilidade que ele oferece de independência; está desordenada a sua rotina ainda que haja um esforço para fazer o mesmo ritual (sequências de ações) no início e no final do dia e, finalmente, há incoerência no meu próprio discurso porque ao estar fora de casa, no ninho familiar, ficamos mais sujeitos a agir conforme fomos educados e sugestionados a ter os mesmos comportamentos com nossos filhos. Claro que há um esforço (da minha parte) de dar uma adaptada mesmo que mínima ao ambiente, há tentativas de inseri-la em algumas atividades de rotina, mas, sobretudo, o que predomina é o fato de que você e eu estamos fora de casa.

Nesse contexto o dia a dia me convida e exige o exercício da paciência constantemente porque, na verdade, poucos foram os dias em que a minha criança ficou bem, tranquila, calma, enfim, equilibrada. O seu desequilíbrio é tão visível a ponto dela depois de poucos dias não mais dizer "estou feliz, mãe!". Ao invés de felicidade e bem estar o que mais presenciamos foram manifestações de comportamento desesperador (a birra para o vulgo) e perturbadores que assustava a mim que não estava preparada para vivenciá-los com tanta frequência e aos outros com quem convivíamos, acostumados a interromper o comportamento da criança pela ameaça ou provocando medo ou desviado o foco ou gritando. Os outros - que nada compreendem sobre a atitude de aceitar a frustração, de permitir a criança manifestar sua raiva e revolta, que não veem nessa situação de desespero a oportunidade de trabalhar a questão das emoções da criança e o nosso próprio autocontrole - jugam, rotulam, tanto a mim quanto a criança. Os outros duvidam da eficácia dessa atitude acolhedora, empática e pacífica em relação a criança que chora, grita, bate, se joga no chão e dá ordens; os outros se sentem incomodados porque a criança perturba o ambiente e o próprio adulto. Como pode uma criança não perturbar? Se isso acontecer é porque algo está equivocado. Uma criança perturba sim, com seu choro que é a expressão de que algo não está bem, com a manifestação da sua vontade, com a expressão da raiva, nervosismo e brabeza; com as "birras" repetidas que, sinceramente, foram uma grande oportunidade de trabalhar e encontrar em mim um estado de paciência, estado do qual não houve reação violenta e raivosa, mas autocontrole compassivo e amoroso.

Tudo o que perturba o adulto, o que provoca o olhar julgador do outro, tudo o que de alguma forma ele tenta evitar, quando se está fora de casa, se intensifica e acontece com mais frequência. Isso porque ao não estar em casa a criança vive não apenas em um ambiente nada favorável e de desordem, senão também sofre com a intervenção constante e desnecessária do adulto, com a falta de silêncio, com a falta do brincar solo, com a exigência de dividir, com o julgamento que rotula. Quando educamos para a autonomia a intervenção constante, o direcionamento no fazer, a ajuda vinda do outro que está do lado de fora do processo, atrapalha; é um obstáculo porque a criança não pode realizar o que ela quer e ela se irrita, grita, chora e exige mais da mãe, que em meio ao tumulto e a desordem é o porto seguro, é aquela que compreende a criança em sua necessidade e vontade. Como se já não bastasse a falta de condições para fazer por si mesma, há o adulto sinônimo da voz da experiência que comanda o tempo todo, inclusive, dá orientações nas brincadeiras e, para complementar, há a falta de silêncio devido a televisão ligada quando a sala está cheia e igualmente quando está vazia; há a exigência de carinho e quando não acontece a correspondência de afeto nem a obediência, outra vez, o julgamento.

Fora de casa, sem as condições adequadas para o seu desenvolvimento natural que visa a conquista gradativa da sua independência, a criança meiga, sensível, carinhosa, alegre, comunicativa passa a ser para o outro a chorona, a brava, aquela cheia de manias, birrenta e sem limites, desobediente. é exatamente quando estamos fora de casa - seja como no meu caso, fazendo uma mudança, seja no período de férias ou em uma viagem - que percebemos o quanto o ambiente preparado, a ordem, o silêncio são decisivos no modo de ser da criança que temos em casa.

quinta-feira, 12 de março de 2020

Redemoinho




Sabe quando o vento bate em terra seca e ela levanta formando um redemoinho?! Então, é exatamente assim que me sinto, agora, em redemoinho com perspectiva da poeira baixar, assentar. Enquanto isso rodo, rodopio, espiralando para cima e para o alto. Avante!!

Neste rodopio o que conta não é o tempo do relógio nem o tempo natural, mas o tempo fora do tempo, regido pelas sincronicidades. Perceba!! Há sincronia nos acontecimentos!

Para além, reconheço que há uma criação da realidade. A realidade é criada pelo eu, no pensamento, associado com as emoções, que levam à ação. É o pensamento de um outro tempo que criou este, agora! Ahhh!! E tantos outros que agora são outrora!

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Dois em um



O quanto de ti ficou em mim
Que parte de mim ficou em ti
Não se pode mensurar
Os encontros no caminho são outras faces de quem se é
Por sintonia e energia,
muitos passarão e outros ficarão
Não pela comunhão do corpo 
E sim pelo íntimo encontro do coração,  do espírito
Que acontece na música dedilhada
No tempo que flui 
Carregando e deixando um pouco do que foi
Presente
No entrecruzamento das histórias,
dos caminhos paralelos
Na impermanência que é a vida
Onde o tudo (de um noite) torna-se 
Noutro dia nada
No devir
Onde o Um pode vir a ser o Todo
E o amor expandir-se 
Não para ser mais nem menos
Apenas ser
Assim como é o amor de uma criança

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

A criança interior


“Saiba todo mundo foi neném
Einstein, Freud e Platão também (...)
Saiba: todo mundo teve infância (...)
Arquimedes, Buda, Galileu
E também eu e você”


Todo mundo foi neném, criança e teve infância. E, quem já foi criança viveu a simplicidade, a verdade, a espontaneidade do ser da criança. Experenciou a leveza, a compaixão, a presença e a alegria própria da essência da criança. Quem teve infância, aos poucos, sem perceber perdeu o que é própria da criança; sem perceber deixou de ser presença, de viver no aqui e agora, deixou para trás o riso fácil, o brincar e a autenticidade do existir. E, por que? É devido a educação que deixamos de ser a criança que outrora fomos; é em função do ato educador do adulto que encobrimos o espírito da criança, o nosso ser divino que, agora, procuramos resgatar ou desocultar na busca pelo quem somos.


Nos esforçamos para desencobrir a nossa criança interior e nos tornarmos o que já fomos: autênticos, leves, verdadeiros, espontâneos, alegres, pacíficos, amorosos, equilibrados. Eis o objetivo do caminho espiritual, da jornada de autoconhecimento, do cuidado de si: despertar essa criança que mora dentro de cada um de nós. Mas, não podemos chegar até aqui sem entrar em contato com a criança ferida, reprimida, amedrontada, abandonada e podada pela educação recebida que, basicamente, se resume a uma relação de conflito entre os adulto-educador e a criança. O conflito acontece porque aquele que se esforça para educar e age convencido de estar cheio de amor, cuidado e sacrifício não é capaz de compreender a criança e, além disso, porque ele é um egocêntrico em relação à criança.


Quando, ao criar e educar nossos filhos, optamos seguir um caminho diferente daquele em que fomos educados percebemos que temos a chance de olhar para nós mesmos, para a nossa criança interior, isto é, para a criança psíquica que somos e, assim, adentramos na esfera do espiritual. Montessori afirma que “todo desenvolvimento espiritual é uma conquista da consciência que assume aquilo que ainda se encontra fora dela”. Aquilo que está fora da consciência é justamente o que mora nos porões da consciência - no subconsciente. Quando assumimos a educação de uma filho o oculto pode vir à tona, ou seja, pela criança que temos tomamos consciência da criança que fomos e somos. Assim, o ato de educar um filho, do mesmo modo que a terapia e a meditação, pode nos fazer voltar para nós mesmos e nos curar das feridas da infância. Ele pode nos conduzir a uma descoberta e, assim, a um engrandecimento de nós mesmos. Pela descoberta, engrandecimento e aperfeiçoamento avançamos no caminho espiritual, nos aproximamos do divino que há em nós.  

(Montessori, M. O segredo da infância. Campinas - SP: Kírion, 2019, p. 24)